Unesco defende responsabilização de toda a sociedade na busca por equidade e qualidade educacional
A Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (Unesco) lançou, recentemente, o Relatório de Monitoramento Global da Educação 2017/2018. Com o tema Responsabilização na educação: cumprir nossos compromissos, o documento é o segundo de uma série de 15 anuais a serem lançados até 2030, discutindo os principais desafios da educação global levantados pela Organização das Nações Unidas (ONU).
O relatório apresenta os diferentes mecanismos de prestação de contas utilizados para atribuir responsabilidades a governos, escolas, professores, pais, estudantes, sociedade civil, comunidade internacional e setor privado.
Em entrevista à Fundação Telefônica Vivo, a coordenadora de Educação da Unesco, Rebeca Otero, fala sobre os principais pontos do levantamento e dá recomendações sobre como aumentar a responsabilização de todos os atores.
Confira a seguir:
O que é responsabilização e como ela pode levar a uma educação de qualidade?
A responsabilização tem dois lados: cobrar atuação dos atores diretamente relacionados à educação, especialmente dos governos, e compartilhar responsabilidades. Os governos têm que ter eleições livres, transparência e auditoria, com participação dos movimentos sociais.
As escolas devem ser centros de aprendizagem saudáveis, e os professores devem respeitar as normas e serem respeitados. Estudantes têm que frequentar as aulas, e os pais precisam formar uma rede de apoio.
O setor privado, por sua vez, pode atuar com doações. Ou seja, todos temos um papel e cada um precisa fazer sua parte.
Como você vê essa responsabilização no Brasil e quais são nossas particularidades?
O Brasil tem um desafio muito grande no campo da educação: a gente conseguiu o acesso, mas não a qualidade. Precisamos melhorar a equidade, a inclusão e respeitar as diversidades.
Por outro lado, tivemos mudanças significativas. Nos anos 2000, ninguém falava de educação. Mídia, políticos, sociedade, ninguém. Isso foi mudando, e hoje educação é um tema de campanha política, debatido nos grandes jornais, o que aumenta o engajamento.
Muitas vezes, fala-se em educação como um problema do governo, das escolas. Trabalhar com a ideia de culpados e vítimas não nos deixa de mãos atadas?
É uma questão de transferência de responsabilidade. As pessoas tendem a pensar que a educação está ruim por culpa do Estado. Mas nossas ações no dia a dia também fazem a diferença.
Quando meu filho chega violento na escola, o que eu fiz em casa para trabalhar isso? Como um empresário ajuda um pai que precisa participar da reunião escolar? O sistema de saúde está integrado à escola para prevenir doenças? De novo, todos temos responsabilidades.
O relatório aponta que a falta de confiança no poder público pode levar à desmobilização das pessoas, dificultando reformas educacionais. Esse é o caso do Brasil?
O que a gente precisa aqui é melhorar a consciência coletiva em relação à educação. Para isso, o primeiro passo é melhorar os nossos índices de analfabetismo funcional, que chegam perto dos 27% da população, fora os 11,8 milhões de analfabetos completos. Se a pessoa não consegue nem assinar o próprio nome ou ler um bilhete simples, como vai transformar uma política pública?
Mais da metade dos países publicam relatórios de monitoramento da educação, mas apenas um em cada seis o faz regularmente. Onde o Brasil se encontra?
Esse, felizmente, não é o caso do Brasil. Temos o Censo Escolar, sabemos quantas escolas e alunos possuímos. Quantos computadores nas salas. Temos o Inep, que é um instituto só para isso.
Temos um sistema de avaliação que permite planejamento, o Plano Nacional da Educação (PNE). Ou seja, temos o que cobrar. Nosso problema é traduzir esses dados em ações práticas, fazer com que cheguem na ponta. Melhorar, por exemplo, a formação dos professores e tomar iniciativas contra a evasão.