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A língua neutra é utilizada para evitar generalizações no masculino e incluir quem não se sente confortável em se associar a gêneros para além do feminino e do masculino

#Educação

Imagem mostra duas mãos em destaque segurando um bloco de notas onde se vê um desenho que simboliza um genêro misto/neutro

“O português generifica tudo”, afirma Pri Bertucci, CEO da [DIVERSITY BBOX] consultoria especializada em diversidade. “A cadeira, O computador, A mesa. Em inglês não há gênero para estes objetos, é the chair, the computer, the table“, complementa. Na língua portuguesa atual não há um gênero neutro, e por isso as formas neutras dos substantivos e adjetivos foram absorvidas ora pelas palavras de gênero masculino ora pelas de gênero feminino. Mas nem sempre foi assim.

No latim vulgar, de onde o português tem raiz, havia o gênero neutro, mas por conta das adaptações da língua ele caiu em desuso. Na falta dele, usa-se o masculino para generalizações. Como exemplificam as frases a seguir: “todos estavam presentes”, ou “eles me convidaram para sair”.

A linguagem neutra, ou a linguagem não-binária, é discutida para ser usada ao se referir a coletivos ou a alguém que não se encaixa no binarismo imposto pelos gêneros tradicionalmente aceitos pela sociedade, o masculino e o feminino. Visa uma comunicação mais respeitosa e inclusiva.

Segundo o “Guia de Comunicação Inclusiva” do Secretariado-Geral do Conselho da União Europeia, lançado em 2018, o objetivo de uma linguagem neutra “consiste em evitar a escolha de termos suscetíveis de serem interpretados como tendenciosos, discriminatórios ou pejorativos ao implicarem que um sexo ou um gênero social constitui a norma”.

 

Linguagem inclusiva e neutra 

“Linguagem neutra e linguagem inclusiva são coisas distintas, mas ambas fazem parte de uma comunicação inclusiva”, explica Pri Bertucci.

A linguagem inclusiva consiste em mudar o jeito que se fala português não generalizando no masculino. A frase “todos estão convidados”, pode ser substituída por “todas as pessoas estão convidadas”. Termos como “os políticos” e “as enfermeiras” também podem ser alterados por “classe política” e “pessoal da enfermagem”.

O Manual para o uso não sexista da linguagem, atrelado ao Governo do Estado do Rio Grande do Sul, recomenda formas neutras de se comunicar:

Infográfico recomenda formas neutras de se comunicar: Não recomendado Recomendável O diretor/os diretores A Direção Convocam-se os coordenadores de Convoca-se a coordenação de Os legisladores estabeleceram A atual legislação estabelece O trabalho do homem melhora sua vida O trabalho da humanidade melhora a vida É benéfico para o homem É benéfico para a sociedade/ É benéfico para as pessoas Os leitores do jornal poderão participar do concurso Se vocês leem o jornal poderão participar do concurso Os cidadãos se manifestaram A cidadania se manifestou

A linguagem neutra, por sua vez, é o uso da linguagem não-binária, onde há a mudança morfológica das palavras. Já houve a tentativa de trocar “o” e “a”, vogais-morfemas que definem o gênero, por “x” ou “@”. Uma frase como “todos foram convidados”, seria substituída por “todxs foram convidadxs” ou “tod@s foram convidad@s”.

No entanto, além de não ser uma mudança viável para a comunicação oral, essa forma de expressão prejudica os programas de tecnologia assistiva, e atrapalham a leitura de pessoas com dislexia. Atualmente considera-se que o uso da vogal “e” é mais inclusiva (“todes foram convidades”).

“O que não tem nome não existe” 

A linguagem neutra é fruto de muitas críticas, mas, segundo Pri, nenhum movimento da causa LGBTQIA+ impõe necessariamente uma mudança na língua portuguesa. “É importante entender que o sistema linguístico que existe hoje não dá conta de representar todas as identidades e expressões que existem na nossa humanidade”, defende.

O uso da linguagem neutra provoca uma nova visão de mundo, um modelo de civilização que não é polarizado entre homem e mulher, feminino e masculino. A humanidade se constitui em torno do uso da língua, e a partir dela é possível incluir identidades que usualmente são apagadas.

“O que não tem nome não existe. Como você vai criar uma política pública para pessoas não-binárias ou intersexo se a gente nem sabe que elas existem na sociedade? Se elas nem existem no nosso vocabulário?”, questiona Pri Bertucci.

 

Primeiros passos 

Mesmo a quem já aderiu à linguagem neutra, ela ainda causa estranhamento. Se acostumar com as formas de existência para além do binarismo é um processo de tentativa e erro. O primeiro passo, segundo Pri, é o de nunca presumir o pronome de ninguém.

Em 2020, a [DIVERSITY BBOX] criou a campanha “vamos naturalizar pronomes de gênero” nas redes sociais. Muitos profissionais passaram a usar os seus pronomes de gênero em assinaturas no LinkedIn (ele, ela ou ile).

E a mudança já chega para outros setores. A Braskem, empresa do setor petroquímico, lançou um guia de ‘comunicação inclusiva’ para melhorar o relacionamento entre funcionários no ambiente de trabalho. O material orienta os colaboradores a, por exemplo, evitarem expressões como ‘homossexualismo’ (o sufixo ‘ismo’ indica doença) e ‘opção sexual’ e a utilizarem os termos ‘homossexualidade’ e ‘orientação sexual’.

“O que eu poderia indicar é a educação, e o acesso ao conhecimento, pois isso quebra os paradigmas”, afirmou Debora Gepp, líder de Diversidade & Inclusão na Braskem, durante o Festival Path Digital.

“Eu sempre sugiro para as empresas o uso de uma linguagem mista”, afirma Pri Betucci. “A linguagem mista é uma mistura da linguagem inclusiva com a linguagem neutra. Por não haver uma linguagem pronta, este é um processo que precisa passar por tentativa, erro e lapidação. A sociedade, de forma geral, está sempre buscando como se comunicar de forma mais respeitável e inclusiva”.

Todxs Nós, produção brasileira da HBO, é a primeira série com personagem não binário da TV. Rafa, a protagonista, deixa a família no interior de São Paulo para viver com o seu primo, Vini, na capital. Por conta da produção, a HBO lançou o Guia Todxs Nós, onde oferece sugestões para utilização de uma linguagem neutra, ou inclusiva.

O que é a linguagem neutra e como ela propõe uma comunicação mais inclusiva
O que é a linguagem neutra e como ela propõe uma comunicação mais inclusiva