Entenda por que saber lidar com a frustração é importante e como a 42 São Paulo incentiva esta competência nos cadetes enxergando os erros como parte do desenvolvimento
A promoção no trabalho que não acontece, a entrevista de emprego mal sucedida, o plano no final de semana que não deu certo. Dos pequenos acontecimentos cotidianos aos grandes projetos, a frustração faz parte da vida. O sentimento caminha de mãos dadas com a expectativa e é inevitável, uma vez que não se pode controlar as atitudes alheias nem tudo o que acontece ao redor.
“Saber se frustrar representa resiliência, compreensão e, acima de tudo, uma inteligência emocional, pois demonstra que você consegue lidar com aquilo o que você não consegue controlar”, afirma a médica e pós-graduanda em psiquiatria, Anny Mesquita.
Segundo a especialista, há pessoas que conseguem aceitar e evoluir com a frustração encarando as situações não planejadas como mais um capítulo da história e não como o livro inteiro. Além disso, quando a expectativa é frustrada, ela também pode despertar uma vontade de mudança e produzir novas ações.
Esta transformação que pode ser gerada a partir da frustação, é um dos pontos explorados pela 42 São Paulo no seu dia a dia. Em um mundo BANI (acrônimo, em inglês, de frágil, ansioso, não linear e incompreensível), onde planos precisam ser adaptados rapidamente, saber lidar com a frustração é tão importante quanto programar.
Voltada a qualquer pessoa com mais de 18 anos, gratuita e baseada no trabalho colaborativo, a 42 São Paulo tem o objetivo de formar pessoas em um mundo cada vez mais permeado pela cultura digital.
Em parceria com a Fundação Telefônica Vivo, pioneira no investimento deste modelo único de aprendizagem, a primeira unidade da 42 na América Latina foi inaugurada em 2019, em São Paulo, no Brasil. Hoje, o modelo está espalhado nos quatro continentes em mais de 20 países no mundo.
Erros como parte do aprendizado
Os erros cometidos pelos estudantes da 42 São Paulo, chamados de cadetes, não são vistos como fracassos, e sim como aprendizados e insumos para o desenvolvimento. Ser flexível e resiliente em situações adversas são habilidades profissionais cultivadas na instituição.
“Tem horas que você está tentando resolver um problema no código e não dá certo. Esses dias são de derrota e você só precisa saber lidar com estes momentos. A 42 SP te dá insumos para lidar com essas situações”, acredita Paula Hemsi, uma das cadetes da 42 São Paulo.
Antes de iniciar a sua transição de carreira para a programação, a cadete trabalhava com peças teatrais, como iluminadora, atriz e diretora criativa. Lidar com a frustração neste meio também era algo rotineiro. “Quando eu trabalhei no circo era uma peça diferente todos os dias, então não dava muito tempo para você ficar chateado com aquilo o que não deu certo. Se você não gostou do que fez, bola pra frente que amanhã tem outro!”, relembra Paula.
Paula ainda relata que a interação com os outros cadetes é incentivada para ajudar na resolução do problema. “É incrível como quando compartilhado com as outras pessoas fica mais fácil”, complementa.
Matheus Moreira, também cadete da 42, compartilha da opinião de Paula. “Para mim uma das maiores contribuições foi a comunidade me ajudando a ficar calmo e a resolver a origem da frustração, o que, na maioria das vezes, é com código quebrado”, opina. “A frustração vem de muitas formas. Seja naquelas 400 linhas de código que não funcionam e você não sabe o motivo, ou naquela prova que a nota não foi a esperada. Ela sempre vai estar lá”.
O cadete é morador da Cidade de Deus, comunidade da Zona Oeste do Rio de Janeiro. Ele já foi medalhista da Olimpíada Brasileira de Matemática por quatro edições e é o primeiro membro da família a cursar uma universidade. Hoje, ele estuda Matemática Aplicada na Universidade Federal do Rio de Janeiro e que está conciliando com a 42 São Paulo.
“Eu diria que durante minha vida me acostumei a enfrentar desafios e seguir em frente. A 42 proporciona isso o tempo todo pra gente, a cada projeto você enfrenta um desafio diferente que você precisa superar para evoluir”, conta.
Karen Kanaan, sócia do Instituto 42, lembra que, para além da frustração, os cadetes entram em contato com diversos sentimentos ao longo da formação. “Eu primeiro sinto raiva porque o que eu estudei não caiu na prova, depois fico irritado porque ninguém me avisou, depois eu me frustro porque eu tirei zero, mas em seguida me sinto acolhido em um misto de emoções”, explica. “Os estudantes vão aprender a programar, mas para isso eles passam por uma linguagem do ser humano, que a gente chama aqui na 42 de human skills”, destaca.
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Idealização e comparação
Anny Mesquita afirma que nos últimos anos, devido às redes sociais, as pessoas estão se comparando cada vez mais, o que tem gerado sofrimentos emocionais. “Elas comparam o corpo, o estilo de vida, o trabalho, a condição financeira. É muito mais fácil se frustrar hoje em dia, pois temos mais acesso à vida do outro”.
Para a médica, a frustração no âmbito profissional está muito fincada nestas comparações. “Precisamos parar de buscar o padrão do outro, que é visto como um padrão ideal, mas que na verdade não respeita a nossa biografia de vida”, relembra a especialista.
Ao iniciarem a formação na 42 SP, Karen aponta que é comum os cadetes se compararem. No entanto, ao longo da Piscina – última parte do processo seletivo – os estudantes vão deixando de competir ou se equiparar ao outro e passam a avaliar a sua própria trajetória e evolução com a ajuda dos colegas.
“A gente entende que se hoje eu estou mal, eu estou melhor do que ontem, e vou estar melhor amanhã. E se o outro está ali para te ajudar, estendendo a mão e dizendo ‘você consegue’, isso te dá forças para seguir. A parte da comparação chega com a imensa maioria, mas ela vai se perdendo ao longo do tempo e sendo trocada pela inspiração, e a competição vai sendo trocada pela colaboração”, relata.
No episódio sobre frustração do podcast Afetos, a comunicadora social e criadora de conteúdo para internet, Gabi Oliveira, pontua a necessidade de não comparar “o seu início com o meio de ninguém”, ao lembrar que as pessoas não partiram todas do mesmo lugar. “No meu contexto, buscar estabilidade financeira sempre foi muito mais importante do que encontrar a minha vocação porque eu sabia que eu tinha que me estabelecer. Se as pessoas não partem do mesmo princípio elas terão narrativas de vida completamente distintas”.