Pesquisa mostra que professores estão ansiosos e sujeitos ao esgotamento profissional. Saiba o que os educadores pensam sobre o assunto e quais os caminhos possíveis para mudar esse cenário
“Todo mundo está ansioso”. A afirmação, feita pela jovem Thaís de Oliveira,de 26 anos, professora de Educação Física da rede particular de São Paulo, resume o quadro da sociedade brasileira atualmente. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), o Brasil é o país com maiores índices de depressão na América Latina. E as estatísticas não são diferentes no que diz respeito à saúde mental dos educadores.
A Associação Nova Escola realizou, entre os meses de junho e julho de 2018, uma pesquisa online sobre saúde mental nas escolas, levando em consideração entrevistas feitas com cerca de cinco mil educadores. 68% deles dizem sentir ansiedade e 87% acreditam que o problema é ocasionado e intensificado pelo trabalho. Tais indicadores refletem em outro dado alarmante da pesquisa:66% dos educadores já precisaram se afastar do trabalho por questões de saúde.
“O estresse atrapalha o meu desempenho como professora. O propósito é ensinar, mas isso fica prejudicado quando estou lidando com cobranças, preocupações e ansiedades que envolvem a minha rotina pessoal e profissional”, acrescenta Thaís de Oliveira, que tem seis anos de atuação como educadora.
A professora de Psicologia Escolar, Cristina MiyukiHashizume, reforça. “Quando estamos falando de saúde docente, nos referimos não apenas à ausência de algum tipo de doença, mas a um estado de bem-estar biológico, psicológico e social.É imprescindível que o docente esteja engajado, ativo e se sentindo saudável para estar à frente de uma sala de aula”.
Causas do esgotamento
Salas superlotadas, falta de reconhecimento, baixos salários, violência nas comunidades, formação inadequada, falta de incentivo e de tempo, são alguns dos fatores que aumentam a frustração dos professores com a rotina profissional.
“Nos meus 28 anos de magistério, e 68 anos de vida, nunca vi ninguém debater saúde mental do professor”, diz Amilca de Lima Fernandes, professora de Língua Portuguesa da rede estadual da Bahia. “Essas questões não são trabalhadas nem pela formação inicial, nem pela coordenação e nem pela gestão”.
Amilca cuida de seis turmas no colégio em que trabalha, em Salvador, mas afirma que a maior dificuldade não é apenas lidar com o conteúdo, e sim com as situações individuais de cada estudante. Ela segue lecionando com ajuda dos medicamentos para ansiedade, e três de suas colegas estão afastadas, diagnosticadas com Síndrome do Pânico.
“Alguns estudantes tem histórico familiar de muita dor e sofrimento. É difícil não se envolver. Além disso, acabamos responsabilizados pela taxa de evasão, pela permanência na escola, pela alfabetização, pela aprendizagem. E sabemos que tudo isso não é só nossa responsabilidade. Os desafios têm suas particularidades dentro de um contexto político, histórico e econômico”, afirma a educadora.
Apoio, acolhimento e formação
Gisele Garcia, 54 anos, professora aposentada do Estado de São Paulo, acredita que um dos agravantes para esse cenário é a falta de preparo do professor. Ela conta que deu aulas durante 30 anos e ao longo desse período fez todos os cursos oferecidos pelo Estado. Ainda assim, não foi suficiente para lidar com a realidade em sala de aula.
“A formação é a base de tudo. A cada ano, os estudantes são e têm necessidades diferentes. Principalmente nessa nova geração”, acrescenta a educadora.
Além da aposentadoria, Gisele ainda entrou com pedido de licença com o diagnóstico de depressão. “Queria ter me aposentado bem, alegre e orgulhosa. Mas quando vi que não estava sendo o melhor que poderia ser para aquelas crianças, e que eu estava me desgastando, eu preferi sair”. A educadora conta que ao entrar em sala de aula tremia, tinha crises de ansiedade e fazia de tudo para que os estudantes não percebessem.
Quando entregou a documentação para a direção, foi recebida com muito apoio e acolhimento, e conta que isso fez toda a diferença em seu tratamento.
Márcia Portela, coordenadora para implementação do documento curricular na Secretaria Municipal de Educação do Rio Grande do Norte, reafirma a importância do papel da gestão nesse momento.
“Trabalhar em um ambiente profissional organizado faz toda diferença para lidar com a frustração. Além da organização, o olhar da gestão sobre as questões emocionais dos professores é fundamental: ser acolhedor, acompanhar a saúde constantemente, incentivar a formação continuada e valorizar a profissão”, indica Márcia Portela.
Autocuidado na prática
A professora Cristina Miyuki também oferece assessoria para escolas públicas e particulares, com o intuito de melhorar as condições de trabalho nas equipes escolares. Segundo ela, é preciso mais do que iniciativas individuais — embora elas sejam fundamentais — para garantir um bem-estar integral no ambiente profissional.
Com a ajuda de Cristina e o depoimento dos educadores, elencamos alguns caminhos que podem contribuir com a saúde mental no ambiente escolar.
– Criar espaço para o diálogo e construção coletiva na escola.
“É importante que o professor use a formação em serviço como importante espaço para discussão e construção coletiva de novas formas de lidar com as questões escolares.”, ressalta Cristina Hashizume.
– Trocar experiências entre os pares.
“Através da troca de experiência com outros colegas e gestão escolar, o educador consegue ser protagonista de soluções para problemas decorrentes dos conflitos na escola”, explica Cristina.
– Compartilhar técnicas e iniciativas individuais.
“Comecei a fazer massagens com técnicas de reiki no ano passado. A princípio, era algo pontual, mas quando notei que saia de lá calma e bem menos estressada, decidi fazer o tratamento semanalmente. Além disso, busco praticar ioga e meditação guiada. Outra técnica que me ajudou a reduzir a ansiedade foi me organizar, trabalhando as possibilidades para cada situação. Quanto mais eu sei o que pode acontecer, menos ansiosa eu fico”, relata Thaís de Oliveira.
– Buscar ajuda profissional em caso de necessidade.
“Ter uma pessoa com quem falar é muito importante para entender que aquilo que estamos vivenciando faz parte de um sistema maior e que nem sempre podemos controlar”, acredita Gisele Garcia.
– Buscar atividades pessoais prazerosas e que diminuem o estresse como atividade física, passeios e leituras.
“Todo professor deve buscar atividades que lhe tragam bem-estar. Ler, ir ao cinema, praticar uma atividade física, meditar. São coisas que ajudam e precisam fazer parte da organização do tempo”, afirma Márcia Portela.
“Uma coisa que ajuda muito a canalizar esse estresse é a atividade física. No momento, estou investindo em hidromassagem e Pilates. Isso sem contar a terapia, que me ajuda a reorganizar minhas emoções e trabalhar o sentimento de solidão”, conta Amilca Fernandes.