Edição de 2024 destaca a equidade na educação, fornecendo indicadores de desigualdades sobre resultados educacionais
A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) divulgou ontem (10/09) o relatório Education at a Glance 2024 (Educação em Foco), que oferece uma visão abrangente dos sistemas educacionais em países da OCDE e em parceiros. A edição deste ano aborda como tema principal a equidade na educação, trazendo dados importantes sobre desigualdades existentes em várias etapas de ensino.
Disparidades socioeconômicas na Educação Básica
O relatório revela que as disparidades mais evidentes estão associadas a fatores socioeconômicos, sendo estas verificadas desde a educação básica. Como exemplo, o documento destaca como essas desigualdades se refletem na proficiência em matemática dos jovens de 15 anos.
Para comparar os estudantes quanto às suas condições socioeconômicas, o relatório baseia-se no chamado Índice de Status Econômico, Social e Cultural (ESCS) do PISA, que mede a posição dos estudantes em uma escala padronizada. Alunos com valores mais altos no índice vêm de famílias com mais recursos e maior escolaridade, enquanto aqueles com valores mais baixos enfrentam desvantagens.
Os dados do relatório apontam para uma distribuição extremamente desigual no Brasil em relação à concentração de estudantes de diferentes condições socioeconômicas que alcançaram proficiência mínima em matemática no PISA 2022 (nível 2 de 6). Os resultados mostram que o percentual de crianças do quartil inferior do índice ESCS do PISA (isto é, crianças em piores situações socioeconômicas) que atingiram tal patamar de proficiência é cerca de 80% menor do que o das crianças do quartil superior do ESCS. Ou seja, o grupo de alunos que atinge níveis aceitáveis de competências na área é formado principalmente por estudantes em condições socioeconômicas bastante privilegiadas. Na média OCDE, essa diferença é de aproximadamente 40%, como demonstra o gráfico abaixo.
Vale mencionar que a diferença de gênero na proporção de estudantes que alcançam pelo menos a proficiência mínima em matemática é pequena na maioria dos países. Porém, as maiores lacunas são observadas na América Latina: no Brasil, por exemplo, 29% dos meninos alcançam esse patamar, mas 24% das meninas têm o mesmo desempenho.
Gráfico 2
O relatório também aponta que há uma relação significativa entre desigualdade socioeconômica e acesso às escolas públicas ou privadas. Em muitos países, alunos de famílias com melhores condições tendem a frequentar escolas particulares, o que pode acentuar as disparidades educacionais, pois essas instituições, muitas vezes, dispõem de mais recursos. Na média dos países da OCDE, verifica-se que, enquanto cerca de 26% dos estudantes de 15 anos de famílias com maior renda estão matriculados em escolas privadas, apenas 13% dos alunos de famílias mais pobres frequentam essas mesmas instituições. Ou seja, há uma diferença de acesso de, aproximadamente, 13 pontos percentuais. No Brasil, essa disparidade ultrapassa os 30 pontos percentuais.
Desigualdades de gênero e seus reflexos na escolha de carreira dos jovens
Outro aspecto abordado pela OCDE diz respeito a como as desigualdades na educação podem ser agravadas pela falta de professores, problema que afeta desproporcionalmente as escolas e os alunos de condições socioeconômicas menos favorecidas. Segundo a Organização, a escassez de docentes está associada a um desempenho mais fraco dos alunos em matemática no PISA, mesmo após controlados fatores socioeconômicos. Isto significa que, comparando estudantes de renda semelhantes, aqueles em escolas que sofrem com o problema tendem a apresentar resultados mais baixos.
Pela primeira vez, o Education at a Glance 2024 inclui dados quantitativos que permitem comparar a falta de professores em diferentes disciplinas em dois momentos no tempo, em 2014/15 e 2022/23. Para os fins da análise apresentada, considera-se que um país é escasso em docentes se alguns cargos de ensino vagos não foram preenchidos por professores qualificados1 no início do período considerado. Dos 21 países avaliados, apenas Grécia, Coreia e Turquia não estavam lidando com falta de professores em ambos os períodos. Dos países restantes, nove apresentaram esse problema em todas as disciplinas, enquanto os demais registravam falta de docentes apenas em certas áreas da educação. Considerando apenas esse último grupo, observa-se um padrão comum: todos enfrentam falta de professores de matemática, o que destaca o desafio global de atrair e reter pessoal para ensinar esta disciplina.
O relatório afirma que a falta de professores é menos acentuada em disciplinas como história e geografia do que nas áreas de STEM, por várias razões. Um dos motivos está diretamente associado às diferenças de gênero nos campos de estudo dentro da educação superior. As mulheres estão geralmente menos representadas nas áreas de STEM no ensino superior e são super-representadas na profissão docente.
Como pode ser observado na tabela abaixo, apenas 15% das novas estudantes no ensino superior escolhem uma área de STEM, em comparação aos 41% dos novos estudantes. Essas disparidades persistem em vários países, sendo que Chile e Finlândia apresentam as maiores diferenças. O processo de encorajar mais mulheres a seguirem carreiras relacionadas a STEM tem sido lento, com a porcentagem de novas estudantes do sexo feminino que optaram por estudar áreas de STEM aumentando menos de 1 ponto percentual entre 2015 e 2022 nos países da OCDE.
Desigualdades persistem no mercado de trabalho
O relatório também analisa a transição dos estudantes para o mercado de trabalho, identificando disparidades relevantes nesse processo, especialmente associadas a gênero.
Um dado importante trazido pela Organização diz respeito aos jovens chamados “sem-sem”² (sem oportunidades de estudar ou trabalhar): no Brasil, a proporção de pessoas de 18 a 24 anos nessas condições caiu de 29% para 24%3 entre 2016 e 2023. Embora a redução seja positiva, o percentual de mulheres com essa classificação é consideravelmente superior ao de homens (37% contra 22% em 2016, 29% contra 19% em 2023).
De fato, os resultados mostram que, em praticamente todos os países analisados, os principais indicadores de empregabilidade são piores para as mulheres do que para os homens. Outro exemplo: entre os adultos de 25 a 34 anos, a taxa de emprego de homens com diploma de bacharelado em 2016 era, em média, 8 pontos percentuais maior do que a de mulheres com a mesma escolaridade. Essa diferença era verificada tanto no Brasil como na média dos países da OCDE. Contudo, para esse último grupo, houve uma queda da diferença observada, que caiu para 5 pontos em 2023. No Brasil, o resultado permaneceu no mesmo patamar de 8 pontos.
Além disso, a Organização aponta que, nos países da OCDE, mulheres jovens com ensino superior, que trabalham em período integral durante o ano inteiro, ganham 83% dos rendimentos de seus colegas homens. Essa diferença sobe para 84% quando consideradas aquelas com Ensino Médio completo, e para 85% se analisadas aquelas com escolaridade inferior ao Ensino Médio.
O documento mostra que diferenças na escolha da área de estudo entre homens e mulheres são frequentemente consideradas uma das razões para explicar desigualdades salariais de gênero entre aqueles com Ensino Superior. Como mencionado anteriormente, os homens têm mais probabilidade do que as mulheres de estudar nas áreas de ciência, tecnologia, engenharia e matemática (STEM).
Contudo, o material da OCDE também revela que mulheres que se formam nas mesmas áreas que os homens frequentemente ganham menos do que seus colegas. A diferença salarial de gênero é evidente em todas as áreas de estudo, mas varia em magnitude. Por exemplo, a desigualdade é menor do que a média em áreas como educação, tecnologias da informação e comunicação (TIC). No entanto, em áreas como negócios, administração e direito, a disparidade salarial de gênero é notavelmente maior, refletindo preconceitos sistêmicos mais profundos e barreiras estruturais que as mulheres enfrentam nessas profissões.
Desigualdades raciais na educação e a relação com tecnologia
Muitos dos destaques trazidos pelo relatório da OCDE dialogam com resultados obtidos em pesquisas nacionais sobre educação. Estudo recente realizado pelo Núcleo de Estudos Raciais do Insper (NERI) com o apoio da Fundação Telefônica Vivo, intitulada “Tecnologia e Desigualdades Raciais no Brasil”, também investigou as disparidades, especialmente raciais, em diferentes etapas escolares e seus reflexos sobre a inserção profissional dos jovens.
O estudo também aponta a relevância de aspectos socioeconômicos para explicar desigualdades de aprendizado. Seus resultados indicam, por exemplo, que alunos negros do 5º ano do Ensino Fundamental obtém, em média, 14,5 pontos a menos em matemática no Saeb (dados até 2021), quando comparados com alunos brancos com o mesmo nível de exposição à tecnologia. Esse diferencial cai para 4 pontos quando são comparados alunos das mesmas regiões e com as mesmas condições socioeconômicas. Esses fatores, portanto, parecem explicar a maior parte das diferenças de desempenho entre negros e brancos.
A pesquisa, assim como o relatório divulgado ontem (10/09) pela OCDE, deixa claro que a desigualdade educacional não se origina de um único fator, mas de uma combinação complexa de questões socioeconômicas, raciais e estruturais. Para enfrentar esses desafios, é essencial adotar políticas públicas que abordem essas disparidades de forma transversal e integrada. A redução das desigualdades requer uma ação multisetorial, capaz de enfrentar as múltiplas dimensões do problema simultaneamente.
¹ Em países com concursos para professores, o conceito corresponde aos casos em que o número de vagas docentes disponíveis é maior do que o número de candidatos aprovados selecionado para preenchê-los.
² Tipologia utilizada na pesquisa “O Futuro do Mundo do Trabalho para Juventudes Brasileiras”, organizado por Itaú Educação e Trabalho e parceiros, São Paulo, 2023.
³ Para a média dos países da OCDE, a proporção de pessoas de 18 a 24 anos sem-sem caiu de 16% para 14% entre 2016 e 2023.