O grupo Mães pela Diversidade conta com o esforço voluntário de mães e pais para transformar o mundo com informação, orgulho, combate a todas as formas de preconceito e acolhimento.
Em novembro de 2020, a novela “A Força do Querer” voltou ao ar no horário nobre da Rede Globo, como uma reprise durante o período de pandemia. Entre os muitos arcos da narrativa de Glória Perez, está o de Ivan, um homem trans que luta pela aceitação da família. Em um dos episódios, a mãe do personagem busca informações por meio de um grupo muito influente fora da ficção, o Mães pela Diversidade.
O grupo nasceu em meados de 2008, com o objetivo de oferecer suporte e informação para pais e mães de pessoas LGBTQIA+. O que começou como um grupo de Facebook, tornou-se uma ONG premiada pela coordenação de ações a nível nacional. Suprapartidária, laica e colaborativa, a organização conta com o esforço voluntário de pais que querem transformar o mundo para seus filhos.
“Entendemos que para acabar com o preconceito, precisaríamos levar informação e acolhimento. O Mães Pela Diversidade vem convidar essas mães e pais a gritarem contra a injustiça e sentirem orgulho de seus filhos como eles são”, define Maju Giorgi, coordenadora nacional e cofundadora do coletivo.
Desde 2014, o Mães Pela Diversidade tornou-se oficialmente uma Organização Não-Governamental (ONG). O estatuto que guia as ações a nível nacional e regional tem três pilares: independência, laicidade e suprapartidarismo – o que significa sem posicionamento ou envolvimento político-partidário e religioso. O grupo do Facebook continua aberto para participação e troca com o público, mas para atuar como voluntário na ONG é preciso ser mãe ou pai de pessoas LGBTQIA+. Atualmente, o coletivo firma parcerias com instituições, além de aceitar doações da iniciativa privada para a organização dos eventos e ações.
A primeira parte dessa história começa quando André, filho de Maju, tinha 5 anos. Ela e o marido notaram que ele não se enquadrava nos padrões heteronormativos. Aos 14 anos, o jovem contou aos pais sobre sua orientação sexual. A partir daí, Maju buscou mais informações e começou a escrever sobre os direitos da comunidade LGBTQIA +.
Através desses textos, seu caminho se encontrou com o da professora e ativista Ivone Pita, do Rio de Janeiro. Fundaram a página Cartazes & Tirinhas LGBT – dedicada a reivindicar direitos como casamento civil, além de relacionar o bullying e a evasão escolar, e tratar de outras questões como as elevadas taxas de suicídio e a inclusão no mercado de trabalho. Não demorou até que mães de todo o Brasil entrassem em contato para buscar apoio.
“As mães também são vítimas de violência, muitas vezes sendo punidas quando a família descobre que os filhos são LGBT. Existem casos de mães que são agredidas fisicamente, que foram expulsas de casa e chantageadas. Por meio de parcerias com a iniciativa privada e instituições, oferecemos assistência psicológica, jurídica e todo o apoio necessário para o desenvolvimento das crianças e jovens”, relata Maju.
Pais que marcham com amor
Embora a ONG carregue as mães nas origens e no nome, os pais do gênero masculino também são bem-vindos. É o caso de Marcelo Limão, conselheiro fiscal eleito pelo Conselho Diretivo do Mães pela Diversidade. Ele também usa a formação em sociologia e a atuação como professor em palestras para empresas e em eventos, ao lado de Maju.
Segundo o Manual de Comunicação LGBTI+ – lançado pela rede GayLatino e pela Aliança Nacional LGBTI, em 2018 – o termo cisgênero é utilizado para descrever pessoas que não são transgênero (mulheres trans, travestis e homens trans). “Cis-” é um prefixo em latim que significa “no mesmo lado que” e, portanto, é oposto de “trans-” (GLAAD, 2016). Refere-se ao indivíduo que se identifica, em todos os aspectos, com o gênero atribuído ao nascer.
Marcelo é pai da Marcela, uma adolescente cisgênero de 16 anos, e Murilo, um menino transgênero, de 13. Mesmo em um lar acolhedor, sempre aberto ao diálogo, a descoberta do filho foi um baque para ele e a esposa, Denise. Quando Murilo completou 9 anos, disse que o interesse pelo universo masculino não se tratava de uma fase, era sua identidade. Foi então que a busca por informações começou, e o Mães pela Diversidade entrou na trajetória da família.
“Durante os encontros tivemos a chance de conhecer outras mães e pais com filhos LGBTQIA+, cada um com sua particularidade. Isso foi muito importante, porque nos sentimos fortalecidos por aquelas vivências. E a partir daí encontramos profissionais de múltiplas áreas para nos ajudar com a transição do Murilo”, relembra o sociólogo.
Além de oferecer assistência, os voluntários também se articulam em ações que vão desde distribuição de cestas básicas até palestras e a defesa da causa para avançar e influenciar na elaboração de políticas públicas. O grupo conta, hoje, com cerca de 2 mil integrantes no Brasil todo, com conselhos regionais para cuidar das especificidades locais.
Marcelo, que mora na cidade de Jundiaí (SP), é um deles e assume também a administração dos grupos internos “Pais pela Diversidade” e “Pais e Mães de filhes transexuais”. Atualmente, ele também estuda Psicologia e, assim como os demais voluntários, leva as pautas da ONG para todos os espaços em que tem a oportunidade de falar.
Como momento marcante de sua atuação, Marcelo destaca a Parada do Orgulho LGBTQIA+, um dos grandes carros-chefes da organização. Na linha de frente, o grupo marcha com um enorme cartaz colorido que carrega a mensagem: “Saia com o seu preconceito, que nós vamos passar com o nosso amor”. A imagem é simbólica: para chegar aos filhos, terão primeiro de passar pelos pais.
Fortalecendo as bases de um mundo melhor
Andrea Hercowitz encontrou o grupo pela primeira vez quando acompanhava a família na Parada LGBTQIA+ de 2015. Mãe de um filho gay e uma filha bissexual, a pediatra voltou a reencontrar a rede pelo Facebook, quando comentou na postagem de outra mãe que estava passando por dificuldades para aceitar a orientação sexual do filho.
“Queria acolhê-la, passando um pouco da minha experiência e explicando que não precisava ser assim. Então recebi uma mensagem no inbox com um convite para fazer parte do Mães pela Diversidade. Quando me tornei voluntária da rede, era a 99ª mãe de São Paulo”, relembra a médica. Hoje, só nesse estado, a ONG conta com 700 voluntários.
Como especialista na área de hebiatria, medicina voltada para os adolescentes, Andrea foi representar a ONG em diversas universidades, dando palestras sobre a saúde da comunidade LGBTQIA+. Essa jornada a levou a fazer um curso de aprofundamento no AMTIGOS (Ambulatório Transdisciplinar de Identidade de Gênero e Orientação Sexual), do Hospital das Clínicas, onde também é voluntária.
“Infelizmente ainda vivemos em um país LGBTfóbico, então muito provavelmente essa comunidade enfrentará desafios fora de casa. Se conseguirmos, como pais, poupá-los de experiências negativas dentro do lar, fortalecendo-os no que diz respeito ao acolhimento, isso diminui muito as consequências negativas para o desenvolvimento no futuro”, explica Andrea Hercowitz.