Pesquisa liderada pela aceleradora PretaHub faz levantamento do perfil dos empreendedores negros e traz reflexões sobre o mercado atual
A maioria dos empreendedores negros no Brasil é mulher (52%), tem menos de 40 anos, é formalizado, reside nas regiões Sudeste e Nordeste, estudou até o Ensino Médio e possui renda familiar de até R$ 5 mil. As informações são da pesquisa Empreendedorismo Negro no Brasil 2019, realizada pela aceleradora PretaHub em parceria com o Plano CDE e com o apoio do banco JP Morgan.
Atualmente, são mais de 14 milhões de empreendedores negros no Brasil. Para mapear esse ecossistema e entender seus principais desafios, a pesquisa entrevistou 1.220 empreendedores de todo o país, entre 18 e 70 anos, de todos os gêneros e classes sociais.
Uma segunda etapa envolveu um trabalho qualitativo feito com 12 empreendedores negros de diversos perfis, recursos financeiros e áreas de atuação.
Diversidade na área
Entender o empreendedorismo negro como não homogêneo foi o principal caminho adotado pela pesquisa. Os entrevistados foram enquadrados em três perfis, de acordo com a motivação para empreender.
Aqueles que empreendem por vocação costumam ter bons resultados: 51% sempre quiseram empreender, 95% querem ampliar a empresa em um ano e 85% alegam que a renda aumentou com a abertura dos negócios.
Por sua vez, os empreendedores por necessidade são mais solitários: 86% não têm funcionários ou parceiros e 46% empreendem por falta de emprego no mercado de trabalho tradicional. Muitos deles não se entendem como empreendedores e, segundo a pesquisa, essa é uma das principais barreiras do perfil.
Já a categoria dos engajados é aquela cujo desejo de empreender está atrelado à vontade de autoafirmação, de fortalecimento do público afro-brasileiro e encara o empreendedorismo como um “processo de cura” para o racismo estrutural e social. Do total de empreendedores negros dessa categoria, 29% trabalham em rede com outros empreendedores negros e 36% são voltados para inovação.
Desafios pelo caminho
A baixa representatividade no ecossistema de startups, as dificuldades para comercializar produtos e serviços, além do menor acesso às novas tecnologias e à educação financeira foram os principais desafios apontados pelos empreendedores negros.
O acesso ao crédito também foi colocado como um entrave relevante, que faz com que muitos empreendedores negros usem apenas a própria poupança ou a ajuda de seus familiares para investir nos negócios. E, embora o racismo não tenha sido apontado pela maioria como o principal motivo, 32% dos entrevistados afirmaram terem o crédito negado sem explicação.
Em entrevista a Fundação Telefôniva Vivo, Adriana Barbosa, idealizadora da Feira Preta e CEO da PretaHub comenta sobre os principais dados do estudo e faz uma reflexão sobre o que eles significam. Confira a seguir!
A pesquisa mostrou que 19% dos empreendedores entrevistados se declaram como preto(a) e 81% como pardo(a). Também foi apontada a falta de conhecimento sobre os termos “afroempreendedor” e “empreendedorismo negro”. Esses dados se relacionam?
Adriana Barbosa: A identificação como pardo pode inibir a percepção de pertencer ao afroempreendedorismo, mas essa é apenas uma das hipóteses. Eu penso que está mais relacionado ao dolorido processo de se reconhecer negro. Os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatistica – IBGE mostram que, apenas nos últimos 20 anos, a população negra passou a se autodeclarar como negra, a partir de um movimento intenso de grupos culturais, artistas, coletivos, organizações sociais e ações afirmativas. É um esforço coletivo para construir uma narrativa de beleza e potência. Hoje nos grandes centros urbanos, jovens já se autodeclaram como negro e possivelmente é a geração que empreende com engajamento, como é o caso da Diáspora Black, Clube da Preta, Xongani e tantas outras iniciativas.
A maioria dos empreendedores que vocês ouviram têm até 40 anos. Isso significa que empreendedorismo é coisa de gente jovem?
Adriana Barbosa: Há mais negros que não querem estar dentro das empresas tradicionais, mais negros nas universidades, e o acesso à renda aumentou. A população negra movimenta mais de um trilhão na economia. Temos mais referências hoje sobre empreendedores que deram certo. Acho que essa combinação de fatores faz com que os jovens empreendam mais. Vale dizer também que o histórico de racismo e exclusão fez com que as oportunidades chegassem mais tarde à população negra. E muitas delas privilegiam mais os jovens, que estão mais conectados e conseguem acessar mais facilmente o ecossistema empreendedor.
No perfil de quem empreende por necessidade, vocês destacam como barreira a autopercepção como empreendedor. Por que isso acontece e qual o impacto nos negócios?
Adriana Barbosa: O reconhecimento como empreendedor é um grande passo para a autoestima e para acessar o que o mercado dispõe, mas muitos empreendedores enxergam sua atividade como uma forma de sobrevivência. E quando se vive numa situação de extremos, o foco é, de fato, sobreviver. Isso é ruim porque é uma precarização do empreendedorismo e do trabalhador. Uma alternativa para a mudança passa pela rede de organizações de suporte ao nano e microempreendedor, que entende as especificidades de cada contexto e os ajuda nessa jornada.
A pesquisa aponta que 51% dos empreendedores por vocação sempre quiseram empreender. É possível dizer que essa categoria está conseguindo chegar mais perto de seus sonhos, mesmo com barreiras?
Adriana Barbosa: Isso quer dizer que estamos transcendendo a condição de necessidade para vislumbrarmos oportunidades no mercado. Uma grande revolução está acontecendo, porque estamos nos permitindo sonhar e construir novas realidades. O fato de enxergamos outras possibilidades permite que a circulação de renda aumente entre os negros porque estamos cada vez mais politizados na forma como consumimos. Um exemplo disso é a Feira Preta, que no ano passado contou com mais de 150 empreendedores de mais de 10 estados do país. Reunimos mais de 35 mil pessoas e parte desse público consumiu dos expositores, fazendo a circulação monetária aumentar.
O empreendedor engajado é apontado pela pesquisa como o que trabalha mais alinhado com a autoafirmação e a busca por valorizar a rede de empreendedores negros. Qual a importância desse perfil para mudar o quadro histórico de informalidade?
Adriana Barbosa: Os engajados são fundamentais porque não estão só vendendo produtos, mas atuando em um ponto central que é o fortalecimento identitário. Os empreendedores nos ajudam a valorizar a nossa história através de seus produtos e serviços, porque entendem as nossas dores com mais profundidade. Acredito que o grande desafio que a pesquisa apontou é como transformar os empreendedores por vocação em engajados para que possam atender as demandas e especificidades de consumo da população negra.
Ainda que a maioria dos empreendedores entrevistados pela pesquisa seja formalizada, ainda há 46% que fazem parte do empreendedorismo informal. Quais seriam os caminhos para minimizar esses números?
Adriana Barbosa: A população negra empreende há muitos anos, mesmo antes de existir o MEI – Microempreendedor Individual. Acontece que o ecossistema empreendedor brasileiro é ainda muito excludente, porque tem códigos específicos do mercado, que se você não tem a compreensão, não consegue acessar. Falamos de Canvas, Plano de Negócios, Investidor Anjo. Quem não entende esses conceitos dificilmente terá o que o mercado dispõe para a jornada empreendedora. E uma das formas de mitigar essa questão é tornar isso acessível para um maior número de pessoas.
A pesquisa indica que o número de empreendedoras negras é ligeiramente maior que o de homens. Quais são os benefícios disso para a sociedade como um todo?
Adriana Barbosa: Um benefício importante que vale destacar é que, pelo fato de sermos maioria e termos um histórico de empreendedorismo há pelo menos 13 décadas, acumulamos conhecimentos que não estão nas academias e nem ao menos nos livros de negócios. Há muito saber ancestral que tem apoiado a alavancagem de mulheres negras. Temos um senso de comunidade, facilidade de trabalhar em rede e as nossas interações são em nível sistêmico. Uma pena não nos reconhecerem como potência.