Conduzir o próprio negócio é a saída para muitas mulheres que buscam flexibilidade na rotina e tempo para os filhos, mas há muitas barreiras pelo caminho.
Logo após o nascimento de sua filha, Juliana Martins, de 24 anos, teve dificuldades para encontrar emprego. “Quando eu descrevia minhas habilidades e experiências, os olhinhos dos empregadores brilhavam. Mas era só eu contar que tinha uma filha que o interesse sumia. Eu estava sendo descartada por ser mãe”, relembra.
A frustração acabou se tornando o empurrãozinho que faltava para seguir o sonho de abrir o próprio negócio, e sua história serviu de inspiração para solucionar o problema de muitas mães. Depois de gestar o seu projeto por dois anos, em janeiro de 2019 criou oficialmente o Fico com a Cria, que capacita cuidadoras infantis e as conecta com mães de diferentes níveis de renda.
De acordo com a pesquisa da Fundação Getúlio Vargas, metade das mulheres perdem o emprego até 24 meses depois de sair de licença-maternidade. A publicitária Vivian Abukater faz parte dessa estatística apontada.
Vivian foi desligada da empresa 11 meses depois do nascimento de seu primeiro filho. Foi quando decidiu abrir uma consultoria de negócios e em 2015 passou a integrar o time do Maternativa, uma startup de impacto social dedicada a discutir e transformar a relação entre mães e trabalho.
“Todas as mulheres mães conhecem ou já vivenciaram situações difíceis no trabalho, que passam por dificuldade de informar a gestão sobre a gravidez, falta de apoio no retorno da licença-maternidade, assédio moral, demissão após o período de estabilidade e a lista segue interminável”, aponta Vivian.
Os percursos profissionais de Juliana e Vivian são semelhantes aos de muitas mulheres que se tornam mães. Metade dos novos empreendedores do Brasil são do sexo feminino, segundo pesquisa da Global Entrepreneurship Monitor (GEM). O mapeamento Empreendedorismo no Brasil 2019: um recorte de gênero nos negócios, realizada pela Rede Mulher Empreendedora, traz dados que mostram a relação entre empreendedorismo e maternidade.
A maioria das empreendedoras (52%) tem filhos. Para 38% delas, o próprio negócio é a principal renda familiar. Enquanto para homens os principais motivos para empreender são renda extra e vocação, as mulheres buscam flexibilidade de horário e ter mais tempo para a família.
O empreendedorismo é, afinal, uma importante ferramenta de transformação profissional, econômica, social e pessoal na vida de muitas mulheres. Ele aparece como uma forma de resolver o paradoxo de desenvolver uma carreira bem-sucedida ou abandonar a vida profissional e se voltar para o ambiente doméstico.
Isso foi detectado pela consultora Juliana Wruck, que faz pesquisas em comunicação e cultura organizacional com ênfase na mulher no mercado de trabalho. “Há um grupo que em vez de provar competência em um ambiente dominado por homens ou ter que convencer as empresas de que atuar profissionalmente não significa abandonar suas famílias, opta por investir em seus próprios negócios, motivadas pela necessidade de independência”.
O empreendedorismo é também uma maneira da mulher seguir seus sonhos de vida, como explica Vivian, do Maternativa. “A maternidade é uma potência para a mulher porque expande a visão de mundo e o propósito de vida. O empreendedorismo consegue canalizar tudo isso”.
Uma jornada de muitos desafios
As mães que assumem a missão de empreender precisam driblar uma série de barreiras. Juliana conta que um dos primeiros desafios que enfrentou foi a dificuldade de encontrar alguém para ficar com sua filha para que ela participasse de eventos e reuniões. “Muitas vezes eu a levava comigo, mas eram poucos os espaços preparados para receber crianças, que tivessem, por exemplo, banheiros com trocadores”, relata.
Conciliar as rotinas de trabalho e da família é outro desafio diário, especialmente para quem trabalha de casa. “A Beatriz hoje tem cinco anos, ela ainda não consegue entender que têm momentos em que não posso parar para brincar com ela, ou que ela não pode me interromper quando estou numa chamada de vídeo ou numa reunião importante, por exemplo”, conta Juliana.
A pesquisa da Rede Mulher Empreendedora também aponta que as mulheres investem 24% de tempo a mais na dedicação à família e à casa. “A responsabilidade do trabalho não remunerado doméstico ainda recai muito mais sobre a mulher. Ficamos sobrecarregadas”, afirma Vivian, enfatizando a importância de equilibrar o trabalho doméstico e o cuidado com os filhos igualmente entre homens e mulheres.
Rotina, planejamento e rede de apoio
“Gente, tá doendo demais pensar em como conciliar maternidade e carreira. Tem mais alguém com esse sentimento? Vamos tomar um café?”. Quando a publicitária Dani Junco, ainda grávida do filho Lucas, postou essa mensagem em seu Facebook não imaginou que 80 mulheres apareceriam para o cafezinho.
A partir de escuta e compartilhamento entendeu que precisava criar uma maneira de combater essa angústia profissional partilhada pelas mulheres que se tornavam mães e, ao mesmo tempo, reforçar a ideia de que elas não precisavam ter suas carreiras paralisadas com a chegada dos filhos.
Assim nasceu a B2Mammy, que acelera negócios de mães, além de oferecer capacitação e conectá-las ao ecossistema de inovação e tecnologia. “Nós nascemos para criar um ambiente onde as mulheres podem se sentir seguras para criar seus negócios. Precisamos ter uma comunidade que entenda que essas mães movimentam a economia e não podem ser ignoradas”, explica Dani.
Para quem está pensando em empreender, Dani alerta que é preciso ter cuidado para não romantizar demais o empreendedorismo. Para isso, ela indica ter um bom plano de negócios, entender sobre faturamento e gestão e se capacitar pensando em inovação e tecnologia.
“Seu negócio precisa estar alinhado com quem você é, com a rotina que você tem, com o tempo que você tem disponível. Faça o mapeamento de tudo isso pensando em como é sua vida, quem são as pessoas que estão ao seu lado e que você pode contar e pedir ajuda. A partir disso, você começa a estruturar um plano de negócios mais realista”.
Formar uma rede com mulheres que estão passando por experiências semelhantes à sua é outra dica valiosa da empreendedora. “Muitas coisas vão dar errado nessa caminhada, por isso é essencial não estar sozinha. Conecte-se o mais rápido possível a uma comunidade, procure a turma que mais tem a ver com você, saia de casa e participe de eventos, esteja nos lugares, forme sua rede de apoio”.
6 dicas para mães que pensam em empreender
A entrevistada Vivian Abukater, do Maternativa, separou seis dicas importantes para as mães que pensam em empreender. Confira!
1. Busque atuar em uma área que você domine e conheça os processos;
2. Prepare-se financeiramente para o início. Cuidado para não fazer grandes investimentos de saída e consumir reservas importantes;
3. Tenha clareza das principais atividades que o seu negócio exigirá de você. Faça uma lista das principais atividades e priorize as fundamentais para o negócio funcionar e gerar receita;
4. Planejamento é fundamental, assim como clareza sobre objetivos e metas;
5. Estruture uma rotina que tenha janelas de flexibilidade para praticar o autocuidado. Isso é essencial para a mulher não ficar esgotada;
6. Se você mora com alguém, divida as tarefas em casa: tanto o cuidado com os filhos quanto o trabalho doméstico.