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Crédito: Reprodução do vídeo da Campanha Trabalho Infantil: Você não vê, mas existe
Por Cecília Garcia, do Promenino, com Cidade Escola Aprendiz
Em suas visitas ao país, o Nobel da Paz Kailash Satyarthi sempre enfatiza o quanto o Brasil é vanguardista em políticas públicas para a erradicação do trabalho infantil. A legislação nacional, segundo ele, serve de inspiração para outras nações, e os feitos de mais de uma década de programas sociais combatentes – que geraram uma diminuição significativa no número de crianças que trabalham – são uma conquista que deve ser celebrada e estudada, para incidir também em políticas internacionais.

De fato, o Brasil tem uma legislação absolutamente proibitiva no que concerne ao trabalho infantil: crianças de até 13 anos de idade não podem trabalhar sob quaisquer circunstâncias. Adolescentes de 14 a 16 anos só podem atuar como aprendizes, especializando-se em um ofício que não comprometa seus estudos. O Brasil também é signatário de mais de 80 convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT), entre elas a nº182, que trata sobre as piores formas de trabalho infantil, como a que acontece em lavouras ou carvoarias.

Como base de comparação com outras nações, é de se pensar: nos Estados Unidos, mediante a permissão dos pais, crianças a partir dos 12 anos trabalham em fazendas por um número ilimitado de horas fora do período escolar – vale lembrar que o trabalho na agricultura é uma das formas de mais antigas e que mais oferece periculosidade. Em artigo sobre a participação das crianças em lavouras de tabaco, a pesquisadora norte-americana Margareth Wurth visitou o Brasil e, em comparativo, elogiou a legislação vigente.

A Bolívia, outro país com estreitas relações migratórias e econômicas com o Brasil, mantêm uma legislação que abre brechas para abusos: em 2014, o país autorizou o trabalho de crianças a partir dos 10 anos de idade por conta própria e, para terceiros, a partir dos 12 anos. Quando perguntado sobre a medida, o presidente em exercício, Alvaro Garcia, disse ser “preciso respeitar a realidade boliviana”. A OIT entrou com pedidos para investigar a situação trabalhista no país.

 

Crédito: TairA/Shutterstock

Um perfil diferente do trabalho infantil
Uma legislação absolutamente proibitiva tem de estar aliada a políticas públicas eficientes, que incidam sobre as particularidades de cada região e sobre diversos tipos de trabalho infantil. No início da década de 1990, o Brasil tinha 8.423.448 crianças e adolescentes trabalhando. Em 2014, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), o Brasil registrou 3,33 milhões de crianças de 5 a 17 anos exercendo alguma atividade. A despeito da queda, muito ainda precisa ser feito.

Em entrevista para o Promenino, a ministra do Ministério de Desenvolvimento e Combate à Fome, Tereza Campello, descreve o perfil majoritário das crianças que trabalhavam na década passada: meninos e meninas, com idade média de 10 anos, trabalhando na área rural em atividades penosas e perigosas. “Se eles não trabalhassem, suas famílias passariam mais fome do que já passavam.”

 

 

Ante a situação periclitante, o Brasil assumiu um sério compromisso para a erradicação do trabalho infantil. Reconheceu oficialmente o problema e adotou um sistema de fiscalização, em uma articulação entre diversos setores públicos e civis para responder às denúncias de irregularidade. Também se comprometeu com programas de assistência social como o Bolsa Família, que incide sobre famílias de baixa renda, fazendo-as manter seus filhos na escola para receber o benefício financeiro.

Os desafios agora são outros e se somam à erradicação do trabalho infantil tido como “tradicional”: aquele em condições insalubres e responsável pela sobrevivência tanto da criança quanto de sua família.

“Hoje, quem é o perfil do trabalhador infantil no Brasil?”, questiona a ministra, que responde na sequência: “Em geral, eles têm mais de 14 anos de idade, estão no meio urbano, matriculados na escola e com uma renda familiar que ultrapassa R$ 415 per capita por mês. Um menino de 15 anos trabalhando na padaria do pai pode ser pensado como essa figura representativa.”

Esses jovens – cuja incidência no trabalho infantil aumentou 33% segundo informações do gabinete – atuam em pequenos negócios, geralmente familiares, e usam essa renda extra para adquirir bens materiais, ansiosos para entrar na vida adulta. São garotos e garotas que precisam da uma proteção diferente daquela oferecida à criança em situação de miséria. Para a ministra, combater esse índice só será possível adotando uma nova metodologia.

Crédito: Divulgação/FGTAS

A escola e o processo de formação de aprendizes têm, então, um papel fundamental na proteção desses adolescentes. Para tanto, a escola precisa se renovar e ser atrativa o suficiente para mantê-los nela. A ministra aposta que um ambiente de Ensino Médio profissionalizante pode ser a chave para que o jovem continue na escola, sem perder de vista o futuro profissional e a independência financeira que tanto o atrai. “O Ensino Médio profissionalizante, como o PRONATEC, voltou a ser trabalhado no Brasil. Já que ele está interessado em trabalhar, deve-se criar um ambiente em que possa fazer as duas coisas: estudar e aprender um ofício”.

Insistir na manutenção do trabalho adolescente protegido também é mais uma agulha potente na tecelagem da rede de proteção a esses jovens. Garantindo que atue por apenas quatro horas, que a atividade realmente o ensine um ofício e não o faça deixar de ir à escola pode ajudar na redução do número de trabalhadores infantis em situação irregular.

Preocupação e um contraponto
Otimista como Kailash, a ministra enfatiza a necessidade de se reconhecer os avanços feitos nos últimos anos, mas que não é possível ignorar que existe um residual persistente no trabalho infantil. A fiscalização e a ação conjunta em denúncias e autuações ainda se faz necessária para combater casos de trabalho que guardem semelhança com o perfil predominante dos anos 1990: “O lema de quem está lutando para erradicação do trabalho infantil é erradicar até não ter nenhuma criança trabalhando, nenhuma mesmo”, ressalta Tereza.

Já o juiz Marcos Fava, representante do Tribunal Superior do Trabalho (TST), não é tão confiante com relação aos resultados divulgados, e diz que o trabalho de fiscalização deve ser uma grande prioridade. “Ainda prevalece, no Brasil, o trabalho infantil vinculado à situação de miséria e de necessidade familiar ou estrutural. É verdade que surgem também crianças ou adolescentes que procuram trabalho na busca de incremento. Mas, em minha opinião, isso ainda não pode ser considerado dominante. Penso que as políticas públicas de assistência às famílias e, sobretudo, de educação de boa qualidade em tempo integral, ainda devem muito à sociedade”.

Entretanto, ele concorda e reforça o posicionamento da ministra de que, se o jovem de 14 a 16 anos tem o desejo de trabalhar, o programa Jovem Aprendiz cumpre um papel importantíssimo como política pública. “É um processo enriquecedor e que respeita o momento histórico e de desenvolvimento”.

De acordo com Fava, quando muito bem aplicado, o projeto pode colocar o adolescente em maior contato com a escola. “Sem dúvida que o exercício da aprendizagem pode provocar no jovem interesses que uma escola inadequada e desestimulante não consiga. Esse não é o objetivo, mas um efeito colateral, digamos, positivo. Talvez até retroalimente o próprio interesse do aprendiz pela escola, na medida em que ele enxergue nas aulas teóricas algo que a prática lhe mostrou interessante”.

É dever da lei, ressalta o juiz, de fazer valer a Constituição e não permitir que uma criança trabalhe sobre quaisquer circunstâncias, fazendo com que os avanços conquistados sejam mantidos e também para que novos desafios sejam superados. O TST está engajado com a campanha Trabalho Infantil – Você não Vê, mas Existe, que trata das piores formas – projeto recentemente reportado pelo Promenino. “Não pode haver, no presente século, juiz alienado de seu papel social. E o papel do juiz para esse tema, é o da intransigência total. Absoluta. Como absoluta deve ser a prioridade pela infância e pela juventude.”

Os novos rostos do trabalho infantil no Brasil
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