Desenvolvida por pedagogo alemão, metodologia pode ser aplicada em escolas e ameniza traumas causados por eventos como guerras, violência urbana e catástrofes ecológicas
Mais do que um lugar onde se ensinam lições de matérias como Português e Matemática, a escola também pode ser um ambiente de acolhimento em uma sociedade exposta à violência constante. A Pedagogia de Emergência abre espaço para evitar sequelas em quem lida direta ou indiretamente com traumas e torna-se um caminho para educadores adotarem práticas que ajudem a dialogar e criar um laço de confiança com estudantes.
Criada pelo professor alemão Bernd Ruf, de 62 anos, a metodologia utiliza princípios da pedagogia Waldorf e defende a utilização de recursos artísticos e de expressão corporal para lidar com situações extremas.
“São atividades pedagógicas com viés terapêutico que visam reativar as forças vitais que existem no próprio corpo e são oferecidas pelos conhecimentos da Pedagogia Waldorf, que tem sua origem na ciência antropológica e antroposófica”, explica Paulo Roberto Vicente, pedagogo, gestor de projetos e cofundador da instituição Associação da Pedagogia de Emergência.
As ações, voltadas a fortalecer a resiliência em crianças e jovens, são desenvolvidas após eventos traumáticos como catástrofes naturais, violência física e emocional ou no auxílio a pessoas em situação de vulnerabilidade social.
“Um evento considerado traumático em potencialidade pode gerar uma escala de desenvolvimento que encaixamos em quatro fases: aguda; sintomas de estresse pós-traumático; patologias relacionadas e mudança de personalidade. A Pedagogia de Emergência atua na segunda fase, onde os sintomas aparecem”, explica a Vicente. “As demais fases têm a mesma base de conhecimento, entretanto, exigem estruturas e ritmos de atuação diferenciados”, complementa.
Em uma década, já ocorreram mais de 50 intervenções utilizando o método em países como Líbano, Nepal, Filipinas, Equador, Curdistão/Iraque, Faixa de Gaza, Quênia, Bósnia, entre outros. As ações internacionais têm apoio da instituição Amigos da Arte de Educar, da Alemanha, país de origem da metodologia.
Ações no Brasil
A Pedagogia de Emergência chegou ao Brasil em meados de 2012, quando o preparador físico e terapeuta social Reinaldo Nascimento, cofundador da Associação ao lado de Paulo Roberto Vicente, se uniu a outros profissionais interessados em estruturar atuações.
Ele já declarou que é mais fácil trabalhar a metodologia em lugares como o Iraque, pois no Brasil, devido ao alto índice de violência urbana, costuma-se ter espaço para atuação na quarta fase do trauma, quando as ações de prevenção não são mais eficientes.
O grupo de pedagogos e terapeutas também atua em outros tipos de situações de emergência, a exemplo de deslocamentos forçados devido à crise humanitária na Venezuela. Em março de 2019, a Pedagogia de Emergência foi aplicada com refugiados em Pacaraima, em Roraima.
Ali fica a porta de entrada dos cerca de 100 mil venezuelanos que, estimam órgãos internacionais como a ONU, já tenham cruzado a fronteira para o território brasileiro. Sem tempo para um processo organizado de adaptação, situações como xenofobia, brigas e dificuldade de adaptação são comuns.
“Trabalhamos os tipos de trauma, suas características e fases e apresentamos formas de, pedagogicamente, acompanhar as crianças e os jovens nos abrigos e espaços de educação. Além da parte teórica, oferecemos oficinas práticas, como aquarela, desenhos de forma, pedagogia da vivência e rodas de ritmo”, aponta o relato de Reinaldo Nascimento.
A prática da Pedagogia de Emergência
O pedagogo Paulo Roberto Vicente afirma que é preciso maior apoio financeiro e de segurança para implementar a metodologia de forma sistêmica no Brasil: “no momento procuramos parceiros para atuações mais amplas. Nos dias atuais, levamos workshops aos lugares onde somos convidados”
No entanto, as escolas podem dar o primeiro passo observando quais elementos podem servir como construtores de resiliência, tanto no aspecto estrutural, quanto no conjunto de atividades oferecidas.
Os educadores e demais adultos podem atuar para o desenvolvimento integral da criança, não apenas no que é relacionado a metas de aprendizagem.
“De uma forma geral, são posturas e atitudes que o adulto desenvolve em si e que age nos sentidos básicos da criança, repercutindo positivamente em suas percepções de segurança, ânimo, alegria, proteção, dentre outras sensações e sentimentos, com grande potencial de cura e proteção”, resume Vicente.
O infográfico abaixo reúne ações para educadores, e até mesmo pais de estudantes, que devem ser praticadas diante de situações extremas, como a ocorrida em uma escola de Suzano (SP) ou até mesmo na tragédia de Brumadinho (MG).