André Azevedo da Fonseca analisa os aspectos positivos e negativos da conectividade na escola, do ponto de vista comportamental.
O debate sobre o uso das tecnologias como recurso de aprendizagem é amplo. Ainda que o uso de ferramentas digitais potencialize as experiências na escola, há quem acredite que a exposição excessiva às redes pode desviar dos objetivos pedagógicos. Seja como for, em uma sociedade cada vez mais conectada, é importante falar sobre o impacto positivo ou negativo do uso da internet e demais recursos no aprendizado dos jovens.
Segundo a pesquisa TIC Kids Online Brasil, realizada em 2017, a proporção de usuários de internet entre os 9 e 17 anos foi de aproximadamente 85%. 77% destas crianças e jovens usam a rede de computadores para assistir a vídeos online, 73% para acessar as redes sociais e apenas 22% para buscar informações sobre o que acontece em suas comunidades. Já o relatório internacional Global Digital Report, publicado em janeiro de 2019, mostra que os jovens brasileiros passam mais de nove horas por dia na internet.
Ao cruzar todos os dados é possível traçar um diagnóstico sobre a relação dos jovens com a internet e as informações consumidas por eles. Mas como isso é debatido no ambiente escolar?
André Azevedo da Fonseca, professor e pesquisador no Centro de Educação, Comunicação e Artes (CECA) da Universidade Estadual de Londrina (UEL), acredita que “a ideia é não apenas aceitar ou reproduzir o que os jovens já fazem, mas sim usar a experiência deles para superar ou, no mínimo, estimular uma reflexão crítica sobre esses conteúdos”.
Doutor em Cultura Contemporânea e professor de Imaginários Tecnológicos e Políticos, Fonseca compartilha sua pesquisa e experiência para aprofundar algumas destas reflexões sobre a relação entre as transformações comportamentais causadas pelo uso da internet. Confira o bate-papo a seguir.
Como você enxerga o papel das redes sociais na perspectiva do aprendizado?
André Azevedo da Fonseca: O primeiro ponto a ser discutido é a diferença entre internet e redes sociais. A internet oferece muitas possibilidades, recursos e oportunidades de aprendizagem para estudantes de todos os níveis. Já as redes sociais são apenas uma parte e trazem um modelo de negócio específico.
O grande problema deste modelo é que ele prevê uma série de ações e controle do comportamento das pessoas, programadas e desenvolvidas para viciar. Isso prejudica a experiência delas na internet e tem provocado transformações comportamentais. Jovens estão deixando de exercitar a capacidade de concentração, por conta dos estímulos que os levam a consumir muita informação fragmentada durante o dia inteiro.
Do ponto de vista cognitivo, como se manifestam essas transformações no comportamento dos jovens?
André Azevedo da Fonseca: Há muita criatividade que pode ser aproveitada por esse novo tipo de linguagem experimental, que vai desde os emoticons até os memes. Essa noção de pegar uma coisa e misturar elementos de outra é um aspecto positivo para ser utilizado em sala de aula. Mas é muito importante falar sobre a questão da atenção.
Apesar do discurso de que as novas gerações são e serão capazes de absorver várias informações ao mesmo tempo, isso tem feito com que fiquemos em constante estímulo para a distração, sem conseguir nos concentrar em uma só coisa durante um tempo prolongado de tempo.
Você menciona a manipulação de inseguranças e anseios sociais desses jovens na lógica das redes. Tais aspectos deveriam ser trabalhados em sala de aula?
André Azevedo da Fonseca: Existe nas ciências da educação um campo que se chama media literacy ou alfabetização midiática, cujo pressuposto é: assim como existe a necessidade de conhecermos os princípios de Química, Física, História, em uma sociedade midiática, nós não poderíamos deixar de ter uma discussão mais aprofundada das mídias.
Levando em conta as estatísticas que comprovam o excesso de horas que os jovens brasileiros gastam navegando na internet, existe um caminho possível para aproveitar essa conectividade e o tempo deles em rede para aplicar atividades nesses meios?
André Azevedo da Fonseca: Há vários caminhos possíveis. É importante alternar a metodologia: escrever textos, ler livros, fazer exercícios, tudo isso é essencial para o aprendizado e para fixar o conteúdo. É perfeitamente possível e desejável usar recursos metodológicos e preparar os estudantes para que produzam e não sejam passivos em sua relação com as tecnologias, mas sim criativos e reflexivos.
Como você vê a formação dos professores diante dessa necessidade?
André Azevedo da Fonseca: É necessário incentivá-los a trazer essas tecnologias como método para as próprias disciplinas. As tecnologias não correspondem a uma evolução do pensamento em todos os sentidos, e por isso, basta alternar momentos online e offline dentro da metodologia de ensino.
Você poderia contar sobre algumas das suas práticas pedagógicas nesse sentido?
André Azevedo da Fonseca: Tenho desenvolvido algumas práticas com meus alunos que têm sido interessantes. Desde usar vídeos do meu canal do YouTube para prepará-los durante a semana e aprofundar os debates presenciais na sala de aula, até a forma como eles apresentam os trabalhos. O objetivo pode ser duplo: tanto no sentido de motivação de concentração e também para fazer com que esses assuntos desenvolvidos em sala de aula contribuam com o debate público.
Sempre percebi, por exemplo, que durante seminários os alunos começam a se desinteressar quando os outros colegas estão apresentando. Por isso, comecei a pedir que os trabalhos fossem apresentados em forma de podcasts. A sala inteira fica prestando atenção, porque sabem que eles estão gravando, esse material vai para nuvem e pode ser consumido por outras pessoas, então isso os estimula a criar conteúdos interessantes a partir do que aprendem.