Conversamos com uma especialista no tema para entender quais habilidades são desenvolvidas pelas crianças ao terem contato com a Ciência de Dados ainda na pré-escola. Confira!
Disciplinas como Biologia e Matemática são ensinadas nas escolas para que os estudantes compreendam o mundo ao seu redor. Mas a Ciência de Dados também é considerada fundamental para o desenvolvimento de habilidades e competências importantes para o futuro e para o processo de aprendizagem.
Desde a pré-escola, as crianças são incentivadas a vivenciar novas experiências que estimulam o desenvolvimento de competências tecnológicas. E todas estão relacionadas ao uso da tecnologia, que acaba gerando informações que são coletadas em volume e velocidade cada vez maiores. Nesse sentido, saber interpretar essas informações deve ser uma habilidade adquirida pelos alunos desde a infância por meio do ensino de Ciência de Dados.
Cenário da educação no Brasil
Um estudo elaborado pelo IMD World Competitiveness Center, que analisou a prosperidade de 64 países, apontou que o Brasil teve a pior avaliação em educação, alcançando a 64ª posição. O resultado deve-se ao mau desempenho do país no que diz respeito aos gastos públicos totais em educação, entre outros fatores.
Além disso, de acordo com o balanço anual divulgado pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação, em 2021, apenas 5 das 20 metas do Plano Nacional de Educação (PNE) estão próximas de serem cumpridas. De modo que menos de 15% das estratégias têm chance de alcançar os indicadores propostos até 2024. O Plano Nacional de Educação (PNE) resulta de uma mobilização da sociedade civil e apresenta uma agenda que reforça o compromisso com indicadores de qualidade.
Para Soraya Roberta dos Santos, mestranda no programa de pós-graduação em Inovação em Tecnologias Educacionais na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), as competências que vêm com a Educação em Dados ajudam as crianças a desenvolverem novas formas de pensar e a criarem técnicas de resolução de problemas que podem gerar impactos em suas vidas.
Atualmente, a especialista desenvolve pesquisas que envolvem o Ensino de Programação de Computadores, Pensamento Computacional, Formação de Professores e UX Design.
Na entrevista abaixo, ela fala sobre a importância de as crianças desenvolverem a alfabetização em dados durante a pré-escola. Confira!
Por que as crianças precisam aprender a lidar com dados desde a pré-escola?
Listo três questões que me parecem bem interessantes para pensar sobre inserção de Ciência de Dados desde a infância. A primeira é comunicação. As crianças desenvolvem melhor essa habilidade e conseguem se comunicar melhor por meio da compreensão sobre a sua realidade. Além disso, elas mesmas acabam propondo soluções para problemas que vivenciam.
O segundo aspecto é a interpretação de texto, para que elas entendam, por exemplo, a diferença entre fake news e dados reais em notícias. A terceira, e mais importante, é a inteligência emocional. Com ela, as crianças passam a enxergar o que é um medo irracional e o que é, de fato, uma ameaça, entendendo qual a hora de procurar ajuda de profissionais.
Quais habilidades ou competências são desenvolvidas pelas crianças que aprendem Ciência de Dados desde cedo?
É importante que as crianças comecem, desde novas, a aprender alfabetização de dados. Isso ajuda a dar sentido ao que elas sabem sobre si mesmas e sobre suas famílias. Mas precisamos levar em consideração a realidade de cada criança. Cada uma terá contato com os dados de forma diferente. Isso ocorre porque temos inúmeros contextos e situações no Brasil.
Cada ser humano é único e possui formas e mecanismos de desenvolver inúmeras competências e habilidades distintas uns dos outros. Então, é difícil tentar padronizar. Contudo, enxergo três pontos que podem vir a contribuir para a área: a comunicação, a interpretação de textos e a inteligência emocional, conforme mencionei acima.
Na prática, como implementar o ensino de Ciência de Dados na Educação Infantil? No Brasil, os professores não costumam ter esse tipo de conhecimento.
A principal motivação que me levou a querer olhar para a formação docente é que nada anda na escola se o professor não tiver conhecimento sobre práticas e metodologias que viabilizem tal meio.
Não podemos voltar ao passado, mas podemos contribuir para o cenário atual, cobrando políticas para formação docente continuada. Ou ainda reformulando as estruturas curriculares dos cursos de graduação. Só formando professores teremos algum abalo nessa dinâmica que está posta.
Uma alternativa é colocar os professores para produzir materiais. Temos um exemplo disso em uma área correlata que é o Pensamento Computacional, por meio do Guia Programaê!. São professores falando para professores sobre realidades que existem. Não são utopias, tampouco acontecem em cenários de países desenvolvidos. Acontece aqui no Brasil, com os nossos problemas e os nossos jeitos de propor soluções para essas questões.
Como você avalia a chance de implementação dessa iniciativa no Brasil?
Os desafios são grandes, pois ainda estamos em pandemia e tentando entender o que aconteceu e como podemos voltar para as salas de aula com o Ensino Híbrido e a ameaça de novas variantes que possam driblar o potencial de imunização das vacinas.
Contudo, a implementação da iniciativa no país talvez venha para auxiliar esse processo, para diminuir fronteiras formativas entre os docentes e discentes das escolas públicas e privadas, criar novas formas de inserir conteúdos programáticos em sala de aula por meio da construção de minicasos e notas para o ensino, abordar sobre acessibilidade em sala de aula, discutir sobre racismo, questões de gêneros e minorias nas áreas de Exatas, levar o conhecimento para dentro dos lares.
E fazer com que todos discutam sobre Ciência de Dados do mesmo modo que sabem, hoje, o que é um smartphone e um aplicativo. Fazer com que o conhecimento chegue até as pessoas, e conectá-las é o maior desafio.
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Existe muita conexão entre o ensino de Matemática e de Ciência de Dados. Quais são as melhores formas de um conhecimento se beneficiar do outro?
A Matemática é um componente importante, mas existem muitos outros que precisam ficar claros para quem vai realizar algum estudo, principalmente para crianças que estão iniciando em Ciências de Dados.
Assim, eu ampliaria essa sinergia para outros componentes curriculares que nem sempre são lembrados ao falar sobre a área. Citaria a Língua Portuguesa que, por meio da leitura e interpretação de textos, ajuda a ter insights sobre como interpretar problemas e a saber como organizar, por meio dos pilares do Pensamento Computacional, a abstração, a decomposição, o reconhecimento de padrões e os algoritmos, a apresentação de perguntas e respostas de forma sumarizada e até intercaladas.
As demais disciplinas que o aluno da Educação Básica estuda também podem ser um suporte para problematizar eixos. Se os docentes que o acompanham, por exemplo, querem aplicar a Ciência de Dados na análise de um problema de reprovação/evasão em determinado ano na escola, é válido que o aluno tenha suporte de componentes da área de Ciências Humanas ou até mesmo da área de Ciências Naturais. Questões sociodemográficas podem implicar na rotina alimentar dos alunos, que, por sua vez, podem ter problemas de saúde que o impeçam de frequentar a sala de aula. E aí vem a causa desses números que estão surgindo.
O escopo do problema vai depender do tempo, dos recursos disponíveis e dos objetivos de aprendizagem que se quer trabalhar. É válido notar que não mencionei a programação e a análise de dados computacionais. Isso tem um motivo: essa é uma das últimas etapas quando se fala em Ciência de Dados.
Quando você começou a se encantar por Ciência de Dados? Teve contato com o tema na infância?
Olhando para o meu passado, percebo que tive acesso a vários conteúdos que são base para se desenvolver a Ciência de Dados. Um deles foi a Estatística. Tive uma professora que também era artesã e sempre levava para a sala de aula atividades com o objetivo de desenvolver arte por meio dos conteúdos. Recordo-me de brincar nas aulas, fazendo gráficos com massinha de modelar. Tudo isso influenciou o meu olhar sobre os problemas e me ajudou a ter insights para desenvolver pesquisas.
Entretanto, relacionar esses conhecimentos com a computação só foi possível para mim na graduação. Foi a partir de trabalhos na faculdade que enxerguei a possibilidade de explorar a análise de dados sobre as alunas ingressantes nos cursos de Computação da UFRN. E a querer entender mais sobre esse cenário em que me via inserida: única mulher em turmas com mais de 40 homens. Sonho em poder estudar mais sobre questões de gênero e educação, e penso que a Ciência de Dados será minha ferramenta nessa luta.