Investir em políticas públicas que articulem educação, saúde e assistência social, desde a primeira infância, é a melhor forma de construir uma sociedade mais igualitária
O Brasil tem cerca de 20 milhões de crianças de até seis anos de idade (a primeira infância), segundo o IBGE – e cuidar dos direitos dessa população, de modo a garantir-lhes vida, saúde, educação e alimentação de qualidade, proteção, lazer e cultura é fundamental.
Especialistas alertam que as crianças são as mais afetadas pelo círculo vicioso da pobreza e pela desigualdade de oportunidades. Por isso, a articulação e a coordenação de uma Política Nacional Intersetorial para a Primeira Infância pelo Governo Federal é um dos temas prioritários para a educação dos próximos anos, listados pela iniciativa Educação Já, do Todos pela Educação.
O documento propositivo destaca a importância do trabalho conjunto de União, Estados e Municípios e de ações intersetoriais, relacionadas à Educação, Saúde, Assistência Social e Proteção à criança e de apoio às famílias. Caberia ao Governo Federal manter, aprimorar e articular as ações efetivas já existentes e oferecer apoio técnico e financeiro aos entes subnacionais.
O material elaborado por especialistas em Primeira Infância conta com diagnóstico da situação da faixa-etária no país, principais problemas a serem tratados e uma série de medidas possíveis. A coordenadora de projetos do Todos pela Educação, Thaiane Pereira, explica que o documento foi elaborado pensando em um cenário otimista e que a realização das ações é trabalho de longo prazo.
O que é intersetorialidade?
Imagine uma criança na creche que não tenha condições adequadas de saúde e nutrição. Ou que não tenha acesso ao livre brincar. Ou ainda, que passe por alguma situação de violência doméstica. A melhor maneira de trabalhar pelo desenvolvimento integral dessa criança é articular os serviços de educação, saúde, assistência social e proteção.
“Para esse ano, estamos focando em três pontos principais que consideramos como pilares para a construção de uma Política Nacional mais ampla. O primeiro é a qualificação da demanda de creches, priorizando a população que mais precisa. A segunda é uma oferta mínima de serviços garantidos a todas as crianças do país, independente do contexto em que vivem. Por fim, buscamos orientações práticas aos gestores, especialmente os municipais, de como desenvolver ações intersetoriais que trabalhem pelo desenvolvimento integral da primeira infância”, afirma Thaiane.
Novos desafios, velhos entraves
Beatriz Abuchaim, gerente de conhecimento aplicado da Fundação Maria Cecília Souto Vidigal, explica que o Brasil é considerado um país avançado em termos de legislação voltada à Primeira Infância, especialmente depois do Marco Legal da Primeira Infância, sancionado em 2016. “Mas falta execução dos programas, propostas e articulação. Hoje, cada pasta tem seu programa, seu orçamento e sua política, numa compartimentação que dificulta o trabalho”.
“Apenas 30% das crianças de 0 a 3 anos estão matriculadas em creches. Há outras 70% que estão de fora, mas podem acessar outros serviços (como saúde, nutrição e assistência social). Por isso temos que promover um olhar integrado para esse indivíduo e para as famílias”, afirma Beatriz Abuchaim.
A especialista, que desenvolve e apoia projetos com foco na Primeira Infância, comenta que muitas políticas são imediatistas, sem planejamento de longo prazo. A diferença de desenvolvimento entre as regiões do Brasil também é expressiva. E a conscientização é outro entrave. “As famílias não têm muita noção de seus direitos. Elas lutam pelo acesso a creches e pré-escola, mas só acesso não basta. É preciso serviços de qualidade com profissionais bem formados”, diz Beatriz.
Saiba mais sobre o Marco Legal da Primeira Infância assistindo ao vídeo realizado pelo Conviva.
Plantando sementes
Os efeitos de uma infância bem cuidada são sentidos ao longo da vida, afinal é durante a primeira infância, do zero aos seis anos de idade, que acontecem processos importantes, como crescimento físico, aquisição motora, amadurecimento do cérebro e iniciação social e afetiva.
Quanto melhor o estímulo e as condições para o desenvolvimento infantil, maiores são as chances de a criança alcançar o melhor de seu potencial, tornando-se um adulto mais equilibrado, produtivo e feliz.
Por outro lado, crescer em situação de vulnerabilidade, estresse e violência constante, física ou psicológica, pode trazer marcas profundas, especialmente em relação à aprendizagem.
Um amplo estudo realizado na Universidade do Kansas, nos Estados Unidos, mostrou que alunos que cresceram em situações de pobreza e vulnerabilidade social chegam ao ensino superior com até trinta milhões de palavras a menos no vocabulário.
Os ganhos de se investir na primeira infância impactam toda a sociedade. Segundo o norte-americano James Heckman, prêmio Nobel de Economia e um dos principais estudiosos da primeira infância, a cada US$ 1 investido em uma criança, os retornos financeiros anuais podem chegar a 13%.
Na prática, isso pode significar, a longo prazo, uma redução nos índices de criminalidade e encarceramento, taxas decrescentes de evasão escolar, redução de gravidez adolescente e menores gastos com saúde.
Ao longo das últimas semanas, fizemos uma série de reportagens sobre o Educação Já. Alfabetização, Financiamento da Educação Básica, Formação de Professores, Efetivação da BNCC, Governança e Reorganização do Ensino Médio foram os outros temas abordados. Acesse e relembre!