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Os espaços culturais não são responsáveis apenas por preservar e representar as memórias de uma sociedade, mas também por mediar relações integradas à comunidade.

#Educação

Foto da fachada do Museu do Amanhã

Ao longo da história da humanidade, a arte ocupou um papel fundamental na expressão de ideias e emoções que refletem o contexto do qual fazem parte. Em meio às adversidades trazidas pela pandemia de Covid-19, nem sempre nos damos conta de que estamos vivendo um período histórico. Mais uma vez, os museus e espaços culturais, e também os artistas, se viram responsáveis por reinventar as maneiras de representar e preservar as memórias de uma sociedade.

Um relatório lançado em abril pela Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), aponta que os museus e centros culturais permaneceram fechados por uma média de 155 dias em 2020.  Isso trouxe consequências para as instituições. Comparado a 2019, os museus tiveram um declínio de 40% a 60% em suas receitas e 70% de queda no número de visitantes.

A pesquisa mostra, ainda, que os investimentos públicos no segmento diminuíram cerca de 40%. Sem as arrecadações de bilheteria, de eventos e de patrocinadores, muitos museus tiveram de reduzir a equipe  para realocar os recursos na digitalização dos acervos e exposições. Outros tantos correm o risco de não reabrir no período pós-pandemia. Mas o quão arriscado é para a sociedade não investir nestes espaços?

“Sem a produção cultural seria muito difícil manter a saúde mental diante de uma pandemia global. Mas para além desse momento específico, os centros culturais têm uma função social muito importante no que diz respeito à integração com a comunidade. Independentemente do tipo de exposições oferecidas por um museu, elas contribuem para ampliar as discussões sobre a construção da nossa identidade, da nossa História e do nosso futuro”, afirma Marília Bonas, historiadora e especialista em museologia social.

Sobre esse novo desafio de gestão, Marília acrescenta:

Muito além das exposições

O premiado Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo, foi um dos primeiros a trabalhar com patrimônio imaterial e tecnologia em grande escala no Brasil.

Após o incêndio que destruiu boa parte de suas instalações em 2015, o museu foi fechado para restauração e tinha reabertura prevista para 2020. A pandemia atrasou os planos, mas não impediu a instituição de estreitar os laços com a comunidade. Além da programação digital, o projeto A Palavra no Agora surgiu com a proposta de trazer exercícios de escrita para elaborar os diferentes tipos de luto vividos no período.

O Museu da Língua Portuguesa também integra uma rede de apoio formada por instituições culturais dos bairros Bom Retiro, Campos Elíseos e Luz — no centro da cidade, onde está localizado — que tem como objetivo arrecadar doações para a comunidade da região. A articulação não se limita apenas às ações assistenciais, mas também oferece visitas educativas e virtuais para escolas, asilos e outros espaços sociais.

“O museu, seja através dos objetos expostos, das áreas de pesquisa ou das respostas coletivas que encontra junto à comunidade, é um grande mediador de relações. Essas instituições são parceiras da educação formal, trazendo a experiência sensorial da arte como diferencial. O nosso desafio agora é fazer essa adaptação repensando as condições de acesso a esse espaço”, reflete Marília Bona, diretora da instituição.

A especialista aponta que a gestão dos espaços culturais já iniciou um movimento de mudança nas prioridades. “Não basta apenas digitalizar os acervos, sem oferecer respostas às comunidades. Tornou-se imprescindível, também, investir em uma equipe de comunicação digital, que faça o intermédio das relações através de outros canais. Sobre esse novo desafio de gestão, Marília acrescenta:

Experiências culturais sem sair de casa

  • Localizada na região central de São Paulo, a Pinacoteca lança a experiência virtual da exposição OSGEMEOS: Segredos. Mais de mil itens criados pelos irmãos grafiteiros Otávio e Gustavo Pandolfo estarão disponíveis on-line. Além da visita, é possível acessar uma entrevista exclusiva com o curador da mostra e o diretor-geral do museu sobre os desafios e oportunidades no processo de montagem. A exposição fica aberta até o dia 9 de agosto de 2021 e os ingressos variam de 12,50 a 25 reais.
  • O Google Arts & Culture é uma plataforma (site e aplicativo) mantida pelo Google em colaboração com museus espalhados por diversos países. Sem sair de casa, é possível ter acesso a histórias e obras de mais de 2.000 instituições culturais de 80 países, além de realizar visitas virtuais gratuitamente a algumas das maiores galerias de arte do mundo.
  • O recém-fundado Museu X, localizado em Pequim, na China, teve de adiar sua inauguração por tempo indeterminado devido à pandemia de coronavírus. Com objetivo de criar um espaço inclusivo e apoiar artistas independentes, a instituição contratou o artista plástico Pete Jiandong Qiang para transformar a experiência virtual dos visitantes. O site do museu foi desenhado como uma espécie de jogo, onde os usuários podem explorar setas, teclas e perspectivas diferentes de conexão. A interface mistura elementos da estrutura física do prédio, mas não obedece às leis da física e da arquitetura na visitação.

Engajamento e integração de comunidades 

Intensificada pela pandemia, a manutenção é uma preocupação nova para os gestores. Em 2013, o Instituto de Desenvolvimento e Gestão (IDG) foi refundado como uma organização sem fins lucrativos, com o objetivo de suprir essa lacuna ao oferecer um modelo de gestão de centros culturais públicos baseado na captação de recursos e parcerias.

“Abrir um museu vai além da inauguração. Os investimentos públicos e privados são destinados a garantir essa infraestrutura inicial, mas não cobrem toda a manutenção. Por isso decidimos juntar um grupo de pessoas com experiência em áreas relacionadas à gestão, formando um conselho que garantisse isso. Nossa ideia é criar modelos de gestão sustentáveis e encontrar soluções coletivas para a construção dos espaços públicos”, explica Ricardo Piquet, diretor-presidente do IDG.

Formado em Engenharia e especialista em administração, Ricardo atua na área de educação, cultura e patrimônio histórico em Recife e no Rio de Janeiro. Duas das instituições que estão sob sua direção, e também no escopo do IDG, são o Paço do Frevo (PE) e o Museu do Amanhã (RJ).  Ambas têm como diferencial a parceria com a comunidade.

“A questão do engajamento é — e continuará sendo após a pandemia — estratégica para qualquer museu. É difícil fechar as portas de um espaço que se comunica e se integra com a comunidade local. Nesses espaços as pessoas podem pesquisar, interagir e se desenvolver de formas diferentes. A ideia é sempre tornar essa experiência inesquecível e provocar mais reflexões do que oferecer respostas”, descreve o gestor.

Espaço de reflexão sobre o futuro 

Em dezembro de 2019, o Museu do Amanhã assinou parcerias para sediar eventos e arrecadar com a bilheteria. Todas foram canceladas com a chegada do coronavírus ao Brasil, em 2020. O museu reduziu gastos e cortou despesas para conseguir reabrir em setembro do mesmo ano. Enquanto isso, a gestão investiu na ideia do museu virtual, contando com parceiros para reinventar a dinâmica remota das visitações.

“Na falta de recursos para uma grande experiência, investimos na troca. Para continuar entregando o espaço insubstituível de um museu, contamos com as parcerias e coproduções para aproveitar as oportunidades que esse momento nos traz”, opina Ricardo Piquet.  “Além de despertar a atenção das juventudes hiperconectadas, também precisamos abrir espaço para questões planetárias que façam sentido neste contexto, como mudanças climáticas e o comportamento humano pós-pandemia”.

Para Ricardo, mais do que nunca os centros culturais de todo o mundo são convidados a abrir espaços para reflexões sobre o futuro. “Acredito que, para contrapor às restrições, teremos de responder com criatividade e empatia. Não apenas o Museu do Amanhã se dedicará a pensar no que virá pela frente, todos os centros culturais foram chamados a essa missão”, conclui o gestor.

Por que os museus são importantes durante e após a pandemia?
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