Docentes tem papel importante na motivação escolar de jovens, fundamental para o processo de ensino-aprendizagem e criação de Projeto de Vida
Durante suas aulas, a professora paraense Lilia Melo reparou que uma aluna tinha o “olhar parado no tempo” e rabiscava palavras nas margens do caderno. “Eu me intriguei com aquilo”, conta Lilia. “Pedi para ler esses escritos, e descobri que havia ali uma poetisa. A poesia tinha feito com que ela continuasse viva após os abusos que sofreu”, afirma. Então, com o estímulo da professora, a jovem recuperou a motivação escolar e deu início a um processo de escrita criativa.
“Hoje, ela tem suas poesias publicadas em livros, abre shows, palestras e festivais, recitando esses poemas, e está em todos os territórios da cidade, ajudando outros jovens para, através da poesia, combater a violência e o abuso sexual infantil. Ou seja, ela está fazendo com que a sua arte seja um mecanismo de libertação e de transformação social.”
Motivação escolar: atenção para as linguagens
Lilia é professora de Língua Portuguesa da Escola Estadual Brigadeiro Fontenelle, localizada no bairro da Terra Firme, na região periférica de Belém (PA). Ela se autodeclara como afroindígena e foi a primeira mulher da região norte a ser indicada ao Global Teacher Prize, catapultada pela iniciativa “Terra-Firme: juventude negra periférica, do extermínio ao protagonismo”.
Dados de 2015 do Programa Internacional de Avaliação dos Estudantes (PISA) mostram que a motivação no ambiente escolar é, entre as características que conformam a mentalidade dos estudantes, a mais importante para o aprendizado. Ela é responsável por prever cerca de 30% de rendimento acadêmico, estando à frente de fatores relacionados às características da escola (23%) e dos professores (16%) e ao ambiente familiar (16%), entre outros.
Criado após uma chacina assolar o bairro, em 2015, o projeto estimula jovens a refletirem sobre a sua identidade e seu cotidiano por meio da produção de filmes e documentários. Também desenvolve núcleos de teatro, dança e arte visual. “Quando falamos de perceber a dificuldade do aluno dentro do espaço escolar, precisamos atentar para as linguagens”, aponta Lilia. “Se estou diante de uma escola com uma concepção tradicional de ensino e aprendizagem, dificilmente o educador vai encarar a dificuldade como um aspecto positivo, e nesse contexto as dificuldades são punidas ou omitidas porque o que há é a valorização do sucesso, da vitória, da nota azul.”
O antropólogo Carlos Gomes, especialista da frente de materiais pedagógicos do Instituto Iungo, acredita que espaços de diálogo coletivo, como as rodas de conversa utilizadas por Lilia, contribuem para que os estudantes apresentem suas opiniões e se comuniquem entre si em suas próprias linguagens. Assim, ao expressarem suas angústias, inquietações e perspectivas sobre si, sobre os outros e sobre seus contextos de convivência, fazem com que o professor os compreenda melhor.
Com essa compreensão, o educador pode rever ou aprofundar certos aspectos de suas práticas. “Nesses momentos, é possível diagnosticar práticas que sejam mais atrativas e que toquem de fato os interesses e formas de aprender dos jovens. As rodas de diálogo também são estratégias que incitam a autoavaliação, permitindo que o próprio estudante reconheça e compreenda os porquês de sua falta de motivação escolar e, sobretudo, procure encontrar caminhos para se transformar, com o apoio do professor e dos colegas.”
Encantamento da aprendizagem
De acordo com Gisele Alves, gerente executiva do Laboratório de Ciências para a Educação (eduLab 21) do Instituto Ayrton Senna, as evidências demonstram que estudantes motivados conseguem manter o engajamento com as atividades escolares e são capazes de aprender mais, além de persistir em busca dos seus objetivos e sonhos. “Na prática, a motivação para aprender, quando incluída na jornada formativa do estudante, pode contribuir para dar mais significado à aprendizagem”, observa.
Dessa forma, é fundamental que os docentes entendam como aspectos socioemocionais e cognitivos – como a tomada de decisões responsáveis e a resolução de problemas – são manifestados pelos estudantes e, assim, possam apoiá-los em sua motivação. “Se o professor propõe reflexões e discussões sobre esses elementos ao longo do processo, ele contribui para a construção de uma forma de pensar sobre o aprendizado que os estudantes podem transpor para outras esferas da vida”, reflete Gisele.
Para Carlos, ao se fazer presente no processo de aprendizagem em construção, o educador se abre à possibilidade de estabelecer e manter relações de confiança e respeito com os estudantes, buscando entender seus sentimentos, necessidades, pensamentos, emoções e, inclusive, formas de ver os conflitos e situações em que se encontra. “Estar presente se traduz no compromisso em buscar favorecer os melhores caminhos na orientação das aprendizagens, demonstrando que o professor acredita nas potencialidades dos estudantes e que está ao lado deles, como alguém que orienta, provoca o pensamento, inquieta e convida para a curiosidade e para o encantamento do mundo das aprendizagens”, defende o antropólogo.
Vivências individuais e dialógicas: qual é o papel do professor?
Lilia reforça que seus pares docentes precisam compreender o processo de ensino-aprendizagem como dialógico. “No momento em que percebo meu aluno como um sujeito de conhecimento, que produz ações transformadoras, trabalho com a sua autoestima, e esse indivíduo vai desbloqueando e destravando mitos acerca da aprendizagem, passando a entender que pode aprender a qualquer momento da vida, em qualquer circunstância.”
Garantir vivências individuais dos estudantes em sua relação com a aprendizagem é um aspecto importante nessa busca por motivação e significado. Para a seleção das metodologias da aula, segundo Gisele, o professor deve refletir sobre aquelas que favorecem aos estudantes a autopercepção e a metacognição sobre a aprendizagem.
O documento “Motivação para aprender: as atuais contribuições da ciência”, organizado pelo Instituto Ayrton Senna, reúne o conhecimento cientificamente fundamentado sobre motivação para aprender no contexto escolar.
“Isso pode se dar de forma individualizada: em estudos orientados, em estratégias de personalização de ensino com o uso de tecnologia ou de produção de portfólio sobre as aprendizagens ao longo do período letivo. Para propor experiências coletivas, as metodologias de aprendizagem baseada em projetos ou problemas, com ou sem papéis diferenciados, podem ser uma opção”, sugere. “Quanto mais os estudantes forem expostos a uma variedade de experiências, mais eles poderão conhecer sobre si mesmos, seus interesses, preferências e competências.”
Projeto de Vida: viagem ao autoconhecimento
É sempre bom lembrar que o professor deve incluir no planejamento as possibilidades de adaptações para a diversidade de estilos, ritmos de aprendizagem e interesses de cada um. Não menos importante é “definir os indicadores de sucesso, junto aos estudantes, e as estratégias e ferramentas para a avaliação no processo, compreendida como fator de desenvolvimento e de aprendizagem, e não como controle, punição ou recompensa”, complementa Gisele.
A especialista conecta a discussão da motivação escolar com a construção de Projetos de Vida (PDV), uma das principais mudanças do Novo Ensino Médio. “O que é o PDV senão um recurso que vislumbra e registra o caminho que o estudante constrói entre quem ele é e quem ele quer ser?”, questiona. “Por meio deste projeto é possível operacionalizar, na prática, as fases de promoção de motivação para aprender e a estimular a manutenção do comportamento engajado nas tarefas, até que o aprendizado almejado e o envolvimento próximo com a escola estejam garantidos”, acentua Gisele.
Carlos também enxerga no trabalho com Projetos de Vida uma forma de se conectar, escutar e ouvir os jovens. “São meios para se aproximar dos estudantes desmotivados, instigando-os a olhar para si e começar a desenhar caminhos com sentido ético, coerentes com seus modos de vida e abertos ao outro”, define. De forma simples, os Projetos de Vida permitem que os jovens percebam os sentidos e importância que as aprendizagens e a escola podem ganhar em suas trajetórias.
“Ao refletir e construir seus PDVs, os estudantes, com o apoio e a presença do professor, realizam percursos que lhes permitem fazer uma viagem em torno do autoconhecimento e, assim, construir e reconhecer suas identidades, suas formas de se relacionar com outras pessoas, com a natureza, com seus espaços afetivos”, opina o antropólogo. E finaliza: “Nessa trilha, podem também imaginar futuros possíveis para vidas que gostariam de viver, compreendendo como suas escolhas e tomadas de decisão afetam suas trajetórias de vida nos âmbitos pessoal, social e profissional.”