Projeto utiliza estratégias de checagem e até produções audiovisuais autorais para que os estudantes se sintam verdadeiros detetives! Confira o plano de aula

Ao observar o impacto prático das notícias falsas na comunidade escolar, o educador Glaucio Ramos e sua turma de 8º ano decidiram agir. O projeto Fuja da Fake, Foco no Fato surgiu na Escola Municipal Cônego Costa Carvalho, em fevereiro deste ano, justamente para conscientizar sobre as fake news na comunidade escolar da cidade de Paulista, em Pernambuco.
“Estamos vivendo um momento em que o fluxo de informações é muito maior do que conseguimos administrar. Por isso a relevância e a urgência da educação midiática”, afirma o educador. A ideia surgiu após Glaucio identificar certa resistência entre os familiares de seus estudantes quanto à vacinação contra a Covid-19.
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Para entender se essa decisão estava baseada em desinformação, decidiu trabalhar a temática com os estudantes e transformá-los em agentes de mudança. O primeiro passo foi apresentar alguns casos de notícias falsas que impactaram rumos políticos, sociais e econômicos no Brasil e no mundo.
Logo após as primeiras aulas, o educador aplicou um questionário para que os estudantes respondessem se sabiam ou não o que era uma fake news e se tinham o hábito de checar uma notícia antes de compartilhá-la. O mesmo questionário foi enviado aos familiares, para ajudar a traçar um panorama da situação.
Entre os 82 respondentes, entre pais e alunos, 74% já tinham compartilhado uma notícia e depois descoberto que a informação era falsa, 85% já se depararam com alguma notícia falsa sobre a vacina e 84% deles conheciam alguém que não queria se vacinar.
Relatório recente, divulgado em maio de 2021 pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), aponta que 67% dos jovens brasileiros de 15 anos não sabem distinguir fatos de opiniões. Os dados se baseiam nos resultados obtidos no Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), exame internacional que foi aplicado em 2018.
“Uma mensagem postada indevidamente distorce fatos, cria problemas sociais e pode até mesmo colocar em risco milhares de vidas. Nossos estudantes sabem como usar recursos tecnológicos, mas não desenvolveram as competências necessárias para o uso crítico da linguagem. O que me levou a fazer o projeto foi justamente por identificar essa demanda”, acrescenta o educador.
Confira as etapas do plano de aula com comentários do professor Glaucio Ramos:

Comentário: “Optei por apresentar os sites por último para oferecer recursos que os ajudassem a checar notícias por conta própria. Para testá-los, enviei cinco notícias, das quais apenas duas eram verdadeiras, e pedi para que não apenas utilizassem as estratégias, mas provassem para mim com prints como descobriram se eram falsas ou verdadeiras”, conta o educador.

Comentário: “Pedi para que eles produzissem memes sobre situações em que nos deparamos com notícias falsas. Ainda durante essa fase, eles tiveram a oportunidade de entrevistar uma jornalista especializada em fake news e o próprio autor do livro que eles estavam lendo. Foi um momento muito enriquecedor para eles!”, relata.


Comentário: “Já tinha testado o formato ano passado, quando fizemos o projeto ‘Parede Sonora Contra o Racismo’. Na época, aproveitei os movimentos antirracistas e os protestos após a morte de George Floyd para discutir o tema com os estudantes. Usamos como referência o livro Pequeno Manual Antirracista, da escritora Djamila Ribeiro, e os estudantes publicaram as produções em uma conta no Instagram que continua ativa”, lembra Glaucio.

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Baixe aqui o plano de aula detalhado do projeto Fuja da Fake, Foco no Fato.
Trabalhando como detetives
A concretização do projeto não veio sem desafios. Glaucio conta que dos 28 estudantes da turma, apenas 15 participaram efetivamente de todas as atividades. Entre os motivos, o educador destaca a dificuldade no acesso à internet e a necessidade de ajudar a família a complementar a renda.
“Pensando na realidade dos meus estudantes, adaptei todo o projeto para funcionar usando apenas o celular. Testei todas as ferramentas, plataformas gamificadas e recursos de edição de vídeo antes para que eles pudessem acessar facilmente a partir do dispositivo móvel”, complementa Glaucio.
No início, até mesmo o livro Esquadrão Curioso: Caçadores de Fake News foi fotocopiado e enviado em PDF para os estudantes. Mas, diante da dificuldade em lê-lo neste formato, o educador abriu uma campanha de doação on-line, que teve alcance nacional e permitiu a compra dos 28 na editora, que também concedeu uma entrevista com o autor Marcelo Duarte.
“Para eles foi interessante porque fizemos uso massivo das tecnologias e exploramos um assunto que os instiga a trabalhar como detetives! Como educador, o projeto também me ensinou muito. Mostrou que nós professores podemos sim adaptar modelos e descobrir caminhos a partir do que temos à nossa disposição”, concluiu o educador.
Além de professor de Língua Portuguesa, Glaucio Ramos também é idealizador do projeto social Leitura na Esquina, que tem como objetivo suprir o déficit de bibliotecas nas escolas públicas de Paulista. Por meio de um trailer, o educador conduz a biblioteca itinerante, composta por doações, para promover eventos de contação de histórias, oficinas de jogos de leitura e criação de espaços fixos nas escolas da cidade. Até o momento, mais de 15 mil estudantes da rede pública foram impactados. Pela iniciativa, o educador recebeu o Prêmio Espírito Público 2019.