As mulheres são hoje a maioria dos formandos em cursos de graduação no Brasil. No entanto, representam apenas 15% dos que concluem um curso de ciência da computação e tecnologia informacional.
O Censo da Educação Superior de 2020 publicado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) revela que, embora as mulheres sejam maioria entre os graduandos em geral, elas representam apenas 15% dos que se formam em cursos de computação e tecnologia da informação e comunicação (TIC). Como consequência direta, a falta de representatividade também se reflete no mercado de trabalho. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), dos mais de 580 mil profissionais que atuam em TI no Brasil, apenas 20% são do sexo feminino. Isso cria um grande desafio para a educação e para o mercado de tecnologia: mostrar que programação também é coisa de menina.
Programação também é coisa de menina: formação de professoras programadoras
Desde pequenas, as meninas são desestimuladas a buscar formação, emprego e carreira na área da computação. “O mundo da tecnologia, da engenharia, da programação de software é sempre apresentado como algo do universo masculino. As meninas são direcionadas para áreas de relacionamento, comunicação e cuidado”, explica Camila Achutti, cientista da computação que trabalhou em grandes empresas, como Google e IBM. Ela conta que, quando entrou no curso de ciência da computação da USP (Universidade de São Paulo), sentia-se deslocada, pois a grande maioria de seus colegas eram homens.
Hoje, Camila também é ativista da luta por mais mulheres na tecnologia e divulga suas ideias e seu trabalho no site Mulheres na Computação. Além disso, é fundadora da Mastertech, empresa cujo um dos focos é ensinar programação para não programadores. Dentro desta proposta, está o projeto Programação a Lápis, que é voltado para a formação de professores das redes públicas de ensino. Essa decisão parte das informações do Censo da Educação de que a maioria do corpo docente é composto por mulheres, por isso, a formação é importante para que elas sejam estimuladas a se tornarem multiplicadoras desse conhecimento: “Essas professoras podem ensinar e inspirar suas alunas a aprenderem que pensamento computacional e programação também é coisa de menina”. Camila ressalta que o projeto também atua com a formação de meninas que cursam o ensino médio, mas que o trabalho com as professoras tem melhor resultado.
Programação também é coisa de menina: a falta de referências inspiradoras
Para Camila, quando pensamos em tecnologia, a imagem que prevalece ainda é de um homem branco e milionário. Nesse cenário, Steve Jobs, Bill Gates e Mark Zuckerberg são apenas alguns exemplos de referências do campo da tecnologia que servem de inspiração para meninos do mundo todo. No entanto, produzir uma lista de mulheres de destaque nessa área é um exercício mais difícil. Mesmo na ficção, pode-se encontrar muito mais referências de destaque masculinas do que femininas. “Quando eu era adolescente fiquei muito feliz quando li ‘Ponto de Impacto’ (livro do norte americano Dan Brown, escrito em 2001), e a protagonista era uma mulher cientista da NASA. Eu pensei, eu também posso ser cientista, eu também posso trabalhar com tecnologia”, exemplifica.
O desafio de programar se inicia antes mesmo da tentativa de aprender
Além da Mastertech, outras organizações se dedicam à formação de meninas na área de desenvolvimento de software. Entre elas está a Elas Programam, cuja missão é inspirar, conectar e gerar oportunidades profissionais para aumentar a participação de mulheres na área de tecnologia. Fundadora da organização, a engenheira Sílvia Coelho explica que, “nos ensinos fundamental e médio, muitas meninas são boas em matemática, tiram notas excelentes nessa disciplina, mas são ensinadas que matemática é algo muito difícil para as mulheres. Assim, quando escolhem uma formação acadêmica ou profissional, fogem de áreas em que a matemática é mais exigida”.
Para mudar isso, a Elas Programam trabalha em dois eixos. O primeiro é o da conscientização de que programação também é coisa de menina. “Nessa parte da conscientização, trazer referências é muito importante. Trazemos então a história das mulheres no desenvolvimento tecnológico. Falamos de Ada Lovelace, que escreveu o primeiro algoritmo de computador, ainda no século 19. Da Grace Hopper, que participou do desenvolvimento da primeira linguagem de programação voltada para negócios (COBOL – Common Business Oriented Language). Além de outras muitas mulheres que estão na história da computação e que nenhum professor costuma citar nos cursos de engenharia”, explica Sílvia, que por conta desse trabalho de conscientização se tornou Top Voice do Linkedin.
Num segundo eixo, a Elas Programam busca construir pontes com as empresas para patrocinar programas de formação de mulheres desenvolvedoras de software. “Dentro desse eixo, nosso grande objetivo é que, ao final dessa formação, essas mulheres sejam contratadas pelas empresas patrocinadoras. Nesse momento é muito importante um trabalho de conscientização das empresas de que diversidade traz mais inovação e consequentemente aumenta os lucros”, indica.
Algoritmos machistas, racistas e com preconceito de classe
Quando você acessa o buscador do Google e escreve qualquer palavra de seu interesse, uma série de imagens e textos serão apresentadas a você em uma lista. No entanto, para que o buscador possa reconhecer imagens e textos referentes ao que foi solicitado, processos foram desenvolvidos por programadores para definir como o sistema deve proceder para encontrar e validar essas imagens e textos.
“Provavelmente, ao digitar a palavra developer (desenvolvedor de software), o Google irá trazer majoritariamente homens brancos de óculos. Se a busca for por ‘trabalho de mulher’, a maioria das imagens remeterá à ideia de secretárias, professoras e enfermeiras. Isso acontece porque as regras de processamento dos dados são definidas por desenvolvedores de software que são em sua maioria homens brancos”, exemplifica Sílvia Coelho.
A baixa representação de mulheres, negros e pessoas de classes populares no mercado da ciência de computação faz com que os algoritmos desenvolvidos sejam machistas, racistas e classistas. No documentário Coded Bias, a cientista Joy Buolamwini, apresenta seus estudos que mostram que algoritmos de reconhecimento facial têm dificuldade de reconhecer o rosto de mulheres negras, não coincidentemente o grupo social com menor representação no campo do desenvolvimento tecnológico.