Durante 15 dias em setembro, voluntários do Grupo Telefônica de vários países trabalharam para melhorar processos de inclusão na Escola Primavera, em Curitiba (PR), que atende estudantes com deficiência. Saiba tudo sobre essa experiência transformadora
O início da tarde estava agitado na Escola Especializada Primavera, que atende 162 crianças e adolescentes com deficiências em Curitiba (PR). Enquanto alguns estudantes se divertiam, outros estavam às voltas com os preparativos para o show de talentos que aconteceria em breve. Em meio à euforia, Carol, de 23 anos, chorava baixinho, sentada num canto do pátio. A professora logo percebeu e foi ajudá-la. Não demorou muito para descobrir o motivo: “Ela está triste porque hoje é o último dia dos voluntários aqui”.
Depois de duas semanas de intensa convivência com os 13 voluntários do Grupo Telefônica que doaram parte de suas férias para promover uma série de ações na instituição, Carol já havia se afeiçoado pelos visitantes. “Ela fala deles todos os dias em casa, empolgada por conviver com gente de outros lugares do Brasil e do mundo”, conta a mãe Daniele Pepchak.
No programa de voluntariado internacional Vacaciones Solidárias, promovido pela Fundação Telefônica Global com o intuito de realizar ações educativas e de impacto social em diversos países, as lágrimas são protagonistas. E rolam de todos os lados, o tempo todo. “Quando cheguei aqui já estava aos prantos”, conta a voluntária espanhola Ana Carmen Armingol, ao descrever que o receio pelo o que iria encontrar foi logo superado pela emoção do acolhimento instantâneo e caloroso dos alunos, professores e funcionários.
“Foi uma experiência ímpar desde o primeiro dia”, diz a voluntária Jamilly Herculano, de Fortaleza (CE). “Quando chegamos na escola e vimos toda aquela recepção, todo aquele acolhimento das crianças sorridentes demonstrando que estavam felizes de nos receber, ficamos ainda mais motivados a dar o nosso melhor por eles”.
O ano de 2018 foi um marco para o programa no Brasil, que pela primeira vez abrigou duas edições do Vacaciones Solidárias. A primeira aconteceu em agosto, em uma escola de educação infantil de Manaus (AM). Na mais recente, durante o período de 10 a 21 de setembro, foi a vez da instituição filantrópica curitibana abrir as portas para o programa. Guiada pela Fundação Telefônica Vivo em parceria com a ASID – Ação Social para Igualdade das Diferenças, a Escola Primavera levantou previamente os principais desafios a serem superados.
“O programa é global, mas quem vem ao Brasil encontra uma proposta diferenciada de intervenção. Nós mapeamos junto com a escola as necessidades reais e a partir disso elaboramos uma proposta de impacto. Os voluntários têm a chance de contribuir com suas habilidades, desenvolver novas competências e, claro, praticar o voluntariado”, define Karina Daidone, gerente de projetos sociais da Fundação Telefônica Vivo.
Assim, saídos de Brasília, Fortaleza, São Paulo, Argentina, Chile, Colômbia, Espanha e Venezuela, os voluntários desembarcaram na capital paranaense com três missões principais: melhorar a comunicação de modo a tornar a escola mais conhecida, aumentar a inclusão dos alunos no mercado de trabalho e proporcionar acesso a novos conhecimentos e inovação. E quando se trata de Vacaciones Solidárias, missão dada é missão mais do que cumprida!
Dias de mão na massa
“Criamos um jogo de tabuleiro humano com fita adesiva, papelão e materiais recicláveis. Com a escolha das casas que deveriam avançar e os desafios a serem superados pelo caminho, os estudantes exercitam lateralidade, tomada de decisão, ordem lógica e pensamento processual”, descreve a voluntária argentina Patricia Fort.
Os voluntários foram divididos em três frentes de trabalho. O grupo responsável pela comunicação trabalhou para melhorar os processos internos da escola de modo a garantir uma visão mais institucional e ajudar na captação de recursos. Começou organizando a casa, com a instalação de leitor de DVD nos computadores, configuração da internet sem fio, configuração de contas de e-mails por departamento, melhoria na apresentação institucional e criação de um banco de histórias dos alunos, com foto e identidade visual para divulgação como storytelling. A equipe também escreveu a instituição na plataforma Google for Nonprofits, que, entre outras coisas, ajuda organizações sem fins lucrativos a encontrarem doadores e voluntários.
“A escola tinha muito material, mas estava tudo desorganizado. Nós ajudamos a trazer uma visão mais sistêmica que vai ajudá-los a otimizar os processos daqui para a frente”, afirmou Jonas Teixeira Barros, voluntário de Brasília (DF)
Já o grupo de inovação participou, junto com algumas professoras, de uma capacitação especial do Programaê, iniciativa da Fundação Telefônica Vivo e da Fundação Lemann para o desenvolvimento do pensamento computacional. A partir das oficinas, os voluntários criaram atividades pedagógicas para disseminar os conhecimentos para os alunos.
A professora Elizabete Kublinsk, que dá aula de alfabetização há um ano e meio na Escola Primavera, aprovou. “Eles se envolveram muito nessa atividade. Usar o raciocínio e elaborar estratégias é exatamente o que nós queremos que eles façam. Estou até pensando em levar esse jogo também para meus alunos da rede municipal”.
Inclusão pelo trabalho
Fundada em 30 de setembro de 1971, a Escola Especializada Primavera já nasceu para garantir atendimento de qualidade a pessoas com deficiência intelectual. Foi aos poucos se tornando uma referência em Curitiba e hoje recebe também alunos de municípios próximos. “Já impactamos mais de 10 mil estudantes”, afirma a diretora Fátima Heraki Floriani, que trabalha na instituição há 25 anos e é conhecida pelo sorriso amável e comprometimento com o trabalho.
Os estudantes ingressam a partir dos seis anos e não há limite de idade para que eles deixem a escola, que além de alfabetização oferece atendimentos diversos, como fisioterapia, musicoterapia, psicóloga, fonoaudióloga, assistência social, terapia ocupacional, neurologista, atividades artísticas e esportivas.
“Eu estou nessa escola desde 2010 e gosto muito de estudar aqui porque consigo aprender, ajudar as professoras e as outras crianças também”, diz Ezequiel Motin, de 25 anos.
A partir dos 16 anos, os estudantes passam por um processo de preparação profissional, com oficinas de estamparia, artesanato, mosaicos e confecção de tapeçaria e bijuterias. Atualmente, cerca de 10% dos alunos estão no mercado de trabalho. Para aumentar ainda mais essa participação, a escola contou com a ajuda dos voluntários do grupo de inclusão.
Além das atividades e processos de desenvolvimento das oficinas, os voluntários também mapearam as competências e formularam um modelo de currículo dos alunos, além das planilhas para controle de custos e lucros por oficinas. Além disso, criaram o clube Feras da Primavera. “A ideia é que estudantes que já trabalham usem uniforme especial e troquem experiências para motivar e inspirar os demais”, explica um dos idealizadores, o voluntário espanhol Ricardo Jimenez Ruiz.
Guilherme Rutelionins, de 23 anos, já entrou para o clube. Padeiro de mão cheia, está há dois anos no mercado de trabalho. “Meu sonho era ser jogador de futebol, quem diria que eu ia ter mão delicada para cozinhar? Eu descobri isso com ela”, diz, apontado para a professora Ana Maria Martins, que trabalha há 23 anos na escola. “Aqui aprendemos juntos todos os dias e eles nos complementam de muitas maneiras”, diz ela.
Assim como os voluntários deixaram legados importantes na escola, Guilherme afirma que os alunos da Primavera também ensinaram algo importante a eles: “que nós conseguimos trabalhar sem depender de benefício”, enfatiza. A voluntária francesa que vive em Madri, na Espanha, Catherine Geffros Martin, concorda: “Eu saio daqui com a certeza de que esses estudantes são plenamente capazes de trabalhar em qualquer lugar. Além de competência e comprometimento, eles têm muito amor e sensibilidade”.
De coração cheio
Os momentos vivenciados na Escola Primavera foram intensos. Entre um trabalho e outro, os voluntários arrumavam tempo para brincar com as crianças e ensinar um pouco sobre cada cultura. Os estudantes aprenderam algumas frases em espanhol, cozinharam arepas venezuelanas e colombianas, empanadas chilenas e tortilhas espanholas, dançaram cúmbia colombiana, se divertiram com os passos da música Macarena e conheceram um pouco mais sobre as diferenças regionais do Brasil. “É maravilhoso esse trabalho. Quanto mais oportunidades, conhecimentos e coisas práticas a gente trouxer, mais eles se desenvolvem. Dentro das condições de cada um, eles aprendem muito”, afirma Erika Ditzel, mãe do estudante João Victor Ferreira, de 16 anos.
“O Vacaciones Solidárias me convidou para doar tempo e conhecimento. O que eu não sabia era que quem mais iria ganhar com essa experiência era eu mesma”, conta a voluntária da Colômbia Maria Ximena Lombana. “Cada pessoa que tive contato aqui marcou meu coração de muitas maneiras e volto para casa mais humana”.
A voluntária brasileira Gabriela Lopes Pereira, que mora em Madri há 11 anos, conta que a convivência com os estudantes a fez descobrir algo novo sobre si mesma. “Eu era muito fechada, mas com eles aprendi a demonstrar mais meus sentimentos. Eles fazem isso com muita naturalidade. Todos os dias a gente se emociona”, diz. A voluntária paulistana Lívia Raquel Souza também era só emoção. “As pessoas acham que eu sou mais durona, mas é só uma casca. Aqui não tem como a gente não se derreter em lágrimas. Com essas crianças, a gente aprende a dar valor à vida”, decretou.
Os voluntários também se impressionaram com o respeito dos estudantes pelas professoras, o comprometimento com o aprendizado e a curiosidade pelas coisas novas, características muito incentivadas pela escola. “É inclusão que a gente quer, então não fechamos eles aqui. Aqui eles fazem de tudo: aprendem, vivem, brincam, namoram. Eles respondem muito bem na medida em que acreditamos neles”, defende a diretora Fátima.
Basta pisar na escola para perceber que as diferenças só acrescentam. “Você chega numa escola como essa e sai absolutamente tocado, com a convicção de que a limitação não está nas crianças, mas na gente, no nosso olhar para o outro”, afirma Americo Mattar, diretor presidente da Fundação Telefônica Vivo. “A convivência nos ensina a romper esses paradigmas”.
Aí só resta mesmo um forte sentimento de gratidão. E entre lágrimas de saudade e sorrisos de alegria, o Vacaciones Solidárias deixa a Escola Primavera e o Brasil levando uma lição importante em forma de canção, a música do Pororó, ensinada aos voluntários pelos alunos logo nos primeiros dias: “Não vou ficar chorando, vendo a vida passar. Vou entoar meu canto, louvando com alegria até o sol raiar. A boca fala aquilo que o coração tá cheio, tá cheio de amor”.