O papel do psicopedagogo é ajudar a romper barreiras para a construção de conhecimento. Entenda a importância dessa profissão para a retomada das aulas pós-pandemia
Saúde mental e inclusão passaram a ser palavras-chave para a educação pós-pandemia. E nesse cenário, o trabalho psicopedagogo tornou-se ainda mais importante. “As crianças foram privadas, ao longo de um ano e meio, de estímulos sociais e cognitivos que só o ambiente escolar é capaz de proporcionar. Isso fez com que a demanda por atendimento psicopedagógico crescesse muito”, relata a psicopedagoga Michele Felix.
Durante os mais de 10 anos em que trabalhou como professora da rede pública de ensino, Michelle desenvolveu um olhar atento para as condições de aprendizagem de seus estudantes. Mas foi a experiência com jovens diagnosticados com autismo que a fez considerar a especialização em psicopedagogia.
“Percebi que as estratégias tradicionais não contemplavam todas as crianças. Por isso busquei entender por que isso acontecia e de que maneiras poderia estimular respostas positivas dentro e fora da sala de aula”, relembra a especialista em educação especial e neuropsicopedagogia.
Atualmente, Michelle atende como psicopedagoga clínica e institucional e define seu trabalho como um resgate de individualidades. “O psicopedagogo tem como objetivo entender os processos que levam à construção do conhecimento, ajudando a superar bloqueios sociais, emocionais e biológicos que interfiram na aprendizagem de cada estudante”, explica.
A partir de relatos de pais e professores, com os quais Michelle estabelece diálogos constantes, duas demandas chamaram a atenção durante a pandemia de Covid-19: os déficits de aprendizagem e o atraso no desenvolvimento motor, cognitivo e social.
Um alerta para a saúde mental
“Não tem como a gente separar o lado emocional dos resultados cognitivos. Nosso cérebro funciona como um conjunto de habilidades e estímulos que precisam sempre trabalhar juntos”, reforça Isis Figueiredo Ruiz, psicopedagoga responsável pelo Atendimento Educacional Especializado (AEE) na rede municipal de São Paulo.
Para a especialista em educação especial e inclusão, essa perspectiva foi evidenciada pela pandemia. Apesar de o seu trabalho girar em torno de crianças com deficiência ou desenvolvimento atípico, ela passou a integrar uma rede de proteção para os 837 estudantes da EMEF Herbert de Souza Betinho, localizada no Jardim Guarujá, região periférica da capital paulista.
“Infelizmente, meu trabalho não é regulamentado pela rede pública. Muitas vezes temos que encaminhar as famílias para as CAPS e UBS, estruturas que também estão sobrecarregadas. O que podemos fazer é criar uma dinâmica de colaboração, oferecendo acolhimento para os professores e nos disponibilizando para avaliar os casos individualmente”, conta Isis.
Relatório lançado pela Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) traz a saúde mental como prioridade para 2021. Segundo o órgão internacional, apenas 2% dos orçamentos governamentais investem em ações voltadas para transtornos mentais diagnosticados. Dentre as soluções apresentadas no documento estão: ações intersetoriais e incentivo ao debate sobre saúde mental com crianças, jovens, familiares e sociedade civil.
Durante a pandemia, a pedagoga acostumou-se a incluir estudantes das salas regulares nos grupos de atendimento especializado. Essa crescente na demanda também se reflete nas clínicas onde Isis trabalha após o expediente na escola. “Atendo crianças da rede particular que chegaram com dificuldades de aprendizagem causadas por questões emocionais”, acrescenta.
Criar vínculos para vencer desafios de inclusão
Tendo em vista o impacto da pandemia no desenvolvimento de crianças e jovens de modo geral, considerar o contexto social de cada estudante é de extrema importância neste momento de retomada das aulas presenciais. Na opinião das duas especialistas em psicopedagogia, isso passa por criar vínculos entre a escola e a comunidade escolar.
“Conexões exigem um trabalho feito em rede. Para enfrentar os desafios que nos aguardam, precisamos conhecer as crianças em sua totalidade. Envolver os agentes que fazem parte do círculo de interação dos estudantes ajuda a entender qual é a bagagem trazida por eles após a pandemia”, orienta Michelle Felix.
Já Isis Figueiredo reforça que não é preciso ser psicopedagogo para trazer princípios como escuta ativa e protagonismo jovem para a sala de aula. “Nós, enquanto cidadãos do século XXI, não podemos mais ignorar a necessidade de inclusão nos processos educativos. Os resultados que buscamos não se resumem a notas, mas sim à formação de seres integrais”.
Reunindo a experiência das duas psicopedagogas, sobretudo no que diz respeito à educação inclusiva, separamos três recomendações para educadores de todos os níveis refletirem sobre como reconstruir relações de aprendizagem.
Reconstruindo relações de aprendizagem
Dois passos para trás→ Antes de avançar para novos conhecimentos, busque entender quais habilidades básicas os estudantes deixaram de desenvolver durante a pandemia. Sejam elas motoras, cognitivas ou sociais, serão de extrema importância para o resultado dos aprendizados futuros. Por isso, não se preocupe se tiver que gastar tempo de aula para recuperar o básico. O saldo será positivo!
Aposte no lúdico → Uma forma de recuperar habilidades, e ainda criar vínculos com as crianças e jovens, é apostar em atividades lúdicas. Brincadeiras, jogos e contação de história tendem a fazer com que os estudantes sintam-se parte do processo de ensino-aprendizagem. Além disso, trabalham competências importantes para construir conhecimento, como coordenação motora, raciocínio lógico, trabalho em equipe e criatividade.
Conhecer na totalidade → Quase dois anos se passaram desde que os estudantes tiveram de ser afastados da convivência na escola. Existem grandes chances de que essas crianças e jovens tenham vivenciado mudanças significativas durante o período. Para conhecê-las novamente, é necessário estabelecer escuta ativa com estudantes e diálogo consistente com os familiares e outros membros da equipe que os acompanha.