O jovem Gabriel Bernardes faz sucesso nas redes sociais, onde posta vídeos de receitas da sua marca de brigadeiros gourmet, a Downlicia. Ele é um dos destaques brasileiros da lista Under 30 de 2020 da Forbes. A soteropolitana Cacai Bauer é outra jovem bastante popular nas mídias. Com cerca de 300 mil seguidores, ela está no Instagram, TikTok e Youtube, onde produz conteúdos de beleza e entretenimento. Cacai, assim como Gabriel, é uma pessoa com Síndrome de Down (SD).
Os dois jovens são exemplos de que pessoas com Síndrome de Down podem, e devem, ser independentes. “A pessoa com a trissomia 21 pode morar sozinha, deve namorar e deve ter o máximo de independência possível”, explica a médica pediatra, geneticista e especialista no assunto Patrícia Salmona.
A Síndrome de Down, ou trissomia 21, não é uma doença e sim uma ocorrência genética. Ela é causada pela presença de três cromossomos 21 (por isso o nome “trissomia”) em todas ou na maior parte das células de uma pessoa.
“É importante ressaltar que a palavra ‘síndrome’ significa um conjunto de sintomas e ‘Down’ é o nome do médico que pela primeira vez a descreveu”, enfatiza o documento “Diretrizes de atenção à pessoa com Síndrome de Down” do Ministério da Saúde.
A SD é então uma condição, um jeito diferente de estar na vida. Esta é a alteração genética mais comum em seres humanos. Segundo dados do IBGE, no Brasil há cerca de 300 mil pessoas com trissomia do cromossomo 21. No país nasce uma criança com Síndrome de Down a cada 600 a 800 nascimentos.
O Dia Internacional de Síndrome de Down é comemorado no dia 21 de março. A data tem como objetivo conscientizar a população sobre inclusão e discutir alternativas para aumentar a visibilidade social das pessoas com trissomia 21.
Patrícia Salmona explica que a base do sucesso de qualquer criança – com SD ou não – é a família e o seu acompanhamento. “No caso da trissomia 21, o acompanhamento transdisciplinar é fundamental: fisioterapeuta, fonoaudiólogo, terapeuta ocupacional, psicopedagogo”. É durante a infância que as crianças recebem os primeiros estímulos que irão influenciar na sua trajetória escolar e no seu desenvolvimento futuro, fundamentais para uma vida saudável e plena inclusão social.
Estigmas e capacitismo
Associar uma deficiência a um xingamento é a expressão mais clara do capacitismo na nossa sociedade, mas subestimar e excluir pessoas com deficiência também. “Se você tem alguma dúvida sobre mim, pergunte para mim e não para os meus pais. Eu sou uma adulta e quando me vir na rua, me trate como tal”, diz Cacai Bauer em vídeo no seu canal.
Capacitismo é a discriminação e o preconceito social contra pessoas com alguma deficiência. Como exemplo disso está a infantilização dos indivíduos com Síndrome de Down, utilizando palavras no diminutivo ou se dirigindo a quem o acompanha, como se não pudessem responder por si próprios.
Questionada do porquê as pessoas com deficiência ainda serem consideradas por muitos, de forma estigmatizada, como “crianças eternas”, Patrícia afirma que esses mitos foram criados há décadas, e a ignorância sobre o tema permanece. “Ocorreram muitas quebras de paradigmas nos últimos 40 anos e muitas pessoas desconhecem essa evolução do acompanhamento das pessoas com trissomia 21”.
Uma pessoa com Síndrome de Down:
– Não será uma criança para sempre
– Pode aprender a ler, escrever e estudar
– Pode namorar
– Pode morar sozinho
– Pode trabalhar
– Não é agressiva
– Pode (e deve) praticar exercício físico
– Tem desejo sexual igual ao de todas as outras pessoas
Inclusão escolar
O principal objetivo da educação inclusiva é assegurar o acesso, a participação e a aprendizagem de todos os indivíduos, sem exceção. Crianças com Síndrome de Down devem estudar em escolas regulares e isto é assegurado pela Lei Brasileira de Inclusão (LBI).
“Percebemos que a diferença do desenvolvimento da criança com T21 vai ficando um pouco mais lento a partir do primeiro ano de vida”, explica a médica. A SD pode causar atraso no desenvolvimento. Algumas pessoas podem apresentar dificuldades motoras ou lentidão no processo de aprendizagem. É preciso ter paciência para identificar os pontos fortes e estimular o desenvolvimento a partir deles. “A educação inclusiva é fundamental não só para as pessoas com deficiência, mas para a para população como um todo”, defende Patrícia. “Desta forma chegaremos a uma sociedade mais tolerante e acolhedora que convive com as diferenças”.
A educadora infantil Mônica Barreto, mãe do Victor, criança com Síndrome de Down, mora em Salvador (BA) e trabalha em uma escola bilíngue, onde seus filhos também estudam. Victor, que está na 5ª série, já fala as duas línguas: inglês e português. Ele foi a primeira criança com SD da escola. “Não foi nada fácil”, diz Mônica. “Por conta do desenvolvimento da linguagem tão diferenciado em relação aos colegas, Victor usou muito o corpo para demonstrar suas frustrações e se comunicar.”
A educadora defende que é preciso oferecer capacitação para os profissionais, e ouvir a comunidade e as crianças para então promover uma mudança na cultura escolar. “O medo, a angústia das pessoas vêm da ignorância, da falta de conhecimento e, portanto, da falta de habilidade para lidar com o diferente. Esse medo acaba gerando um distanciamento e afastamento de quem é diferente, de quem necessita de algum recurso ou suporte para funcionar em sociedade”.
Ela ressalta a importância de aprender com a criança com SD, olhando para as suas capacidades e “acreditando que ela também tem seu lugar no mundo e suas contribuições a partilhar”. Segundo Mônica, a sua conduta enquanto mãe e educadora sempre foi o de trabalhar para que Victor estivesse feliz, podendo expressar como ele é, aprendendo os seus limites e entendendo os limites dos outros. “Eu sempre olho para Victor com muitas demandas, é verdade, mas ele é Victor que nasceu com SD, ele não é a SD que eu decidi chamar de Victor”.
Educação inclusiva e a pandemia
“A experiência da quarentena para Victor em termos acadêmicos tem sido dificílima. As crianças com SD precisam do concreto, das relações e usar todos os sentidos para o aprendizado”, conta Mônica. São muitas variáveis que atrapalham Victor a manter o foco na experiência da aprendizagem remota: a internet cai, o som do professor que não está bom, o cachorro do vizinho que late, entre outros fatores.
A pesquisa “Inclusão escolar em tempos de pandemia” foi desenvolvida por meio de uma parceria entre a FCC (Fundação Carlos Chagas), a UFABC (Universidade Federal do ABC), a UFES (Universidade Federal do Espírito Santo) e a USP (Universidade de São Paulo). Ela tem por objetivo identificar os desafios enfrentados pelas professoras e professores da Educação Básica para assegurar o acesso e a participação do público-alvo da educação especial (alunas e alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento (TGD) e altas habilidades/superdotação). Também foram identificadas as estratégias adotadas para garantir o direito à educação especial na perspectiva da educação inclusiva, durante a suspensão das aulas presenciais.
Apesar do novo contexto ser bastante desafiador, Mônica relata que Victor aprendeu muita coisa durante a pandemia, como ter uma boa interação on-line com os colegas, ter regulação emocional, a ajudar nas tarefas domésticas e a apreciar a natureza. “Não podemos olhar só para os aprendizados acadêmicos. Temos que pensar como essas crianças podem contribuir para formar um mundo mais leve, mais justo e mais divertido”, finaliza a educadora.