Compreensão da escola e dos educadores é importante para o diagnóstico e o tratamento do Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade e pode melhorar o índice de aprendizagem.
Inquietação, dificuldade de concentração e de reconhecer limites, irritação em excesso, impulsividade. Essas características comuns em alguns estudantes, que acabam sendo um desafio para a escola e os professores lidarem em sala de aula, podem significar os primeiros sinais de um distúrbio de desenvolvimento que merece atenção, acolhimento e um possível tratamento: o TDAH.
O TDAH, sigla para Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade, é mais comum do que parece na escola e fora dela: afeta de 3% a 5% da população mundial. O maior estudo epidemiológico já feito no Brasil foi coordenado pelo Instituto Glia com cerca deseis mil crianças e adolescentes em 18 Estados do país, e revelou que 4,4% dos jovens sofrem com o TDAH.
E o mais grave:58,4% deles não são diagnosticados, sendo que 6% recebem diagnóstico errado. O psicólogo Rafael Mendes, especializado em psicopatologia e psicossomática pelo Centro Universitário São Camilo (SP), explica que o diagnóstico na infância é complicado porque a criança manifesta sintomas que são próprios da maturação cerebral incompleta, que só se conclui perto dos 23 anos.
“O TDAH é multifatorial e requer uma análise multiprofissional, com dados de vários ambientes da criança. Por isso, é fundamental que a área da saúde atue junto com a família e com a escola para conseguir realizar um diagnóstico e um trabalho adequado”, explica o especialista.
Atenção no comportamento
A hiperatividade– excesso de movimentos motores ou impossibilidade de se manter parado por muito tempo – é um dos primeiros indícios e aparece assim que a criança começa a andar. A impulsividade é outro indicador e está associada a uma dificuldade de antecipar consequências. Exemplo: colocar o dedo na tomada sem pensar no choque que pode tomar.
A escola costuma ser o primeiro local onde as suspeitas de TDAH são levantadas, devido a outro sinal evidente: a dificuldade de manter foco e atenção nas atividades e de compreender as tarefas que devem ser feitas, mesmo que sejam simples, e até certo atraso na linguagem.
Foi o que aconteceu com Lina. Assim que mudou de escola, os professores notaram uma dificuldade dela para acompanhar a turma. Promoveram aulas de reforço e pediram que a mãe consultasse um especialista. “Aos sete anos, ela ainda estava aprendendo a ler, tinha dificuldade para juntar as sílabas, às vezes trocava as letras e demorava para acompanhar um raciocínio mais longo. Ela foi diagnosticada com TDAH em novembro do ano passado, aos oito anos”, relata a mãe, Viviane Santos Lopes, de Lapa, no Paraná.
Segundo ela, a escola foi fundamental para a descoberta. “Em reuniões com a coordenação pedagógica, me falavam que viam que a Lina se esforçava, mas não conseguia se manter atenta”.
Lina e a família ainda estão aprendendo a lidar com o distúrbio de desenvolvimento, mas algumas mudanças valiosas já foram feitas na escola por recomendação médica. Ela passou a se sentar na primeira fileira,a ter mais tempo para fazer as tarefas e provas, além de um cuidado a mais na explicação das atividades.
“Mas a socialização ainda é um desafio. Descobrimos que ela não conversa e não brinca com ninguém no recreio. Ainda estamos buscando maneiras de contornar isso”, explica Viviane.
Sensibilidade é fundamental
A criança com TDAH na escola apresenta um comportamento diferenciado e, por isso, pode sofrer exclusão e até bullying dos colegas, como aconteceu com Matheus. Ele sempre foi inquieto, mas a partir do 1º ano do Ensino Fundamental passou a sofrer de ansiedade e a ficar deprimido por não ter assistência adequada na escola.
“Meu filho tinha aversão às aulas de inglês, então corria e se escondia. Ele também sofria bullying e a escola não sabia lidar com isso. Só fui descobrir muitas dessas coisas quando o levei ao psicólogo”, relata a mãe Bruna Parada, de Santos, São Paulo.
Foi só quando procurou assistência médica que Bruna passou a entender os direitos da criança com TDAH na escola. Ela mudou Matheus para outra escola, com uma gestão e professores preparados para lidar com essas situações.
Bruna entende o desafio imposto aos educadores, que muitas vezes estão sozinhos com uma sala lotada de alunos e suas especificidades. Mas, como mãe, pede paciência com aquela criança que mais os desafia. “Quem tem TDAH precisa se sentar na frente, sair da sala para espairecer quando está muito agitado e precisa, mais do que tudo, de muito reforço positivo, pois tem autoestima baixa”, exemplifica.
Viviane, mãe de Lina, também compartilha uma visão parecida. “Crianças com TDAH são muito sensíveis a críticas e sua capacidade para lidar com frustrações é bem baixa. Se o educador perder a cabeça não fará com que a criança aprenda. Pelo contrário, só vai fazer com que ela tenha pensamentos ruins sobre si mesma”.
Segundo Rafael, é muito comum confundir TDAH com falta de vontade e estigmatizar a criança. “Mas estamos falando de um transtorno de desenvolvimento. A escola e a família precisam entender que não é porque a criança quer, é porque ela é assim. É preciso informação e preparo técnico e científico para entender que esse indivíduo precisa de estímulos para compreender o convívio social”, diz.
“A criança com TDAH precisa entender regras, limites e o porquê das coisas de forma muito clara para que ela possa se ajustar no ambiente escolar. Por isso, é importante ter profissionais bem treinados que saibam aplicar as correções de comportamento inadequado e promova recompensas pelos acertos”, diz o especialista.
Um ganho de aprendizagem
A partir da observação das características mencionada anteriormente, o educador que desconfie que o estudante possa ter TDAH deve solicitar que a escola avise aos pais imediatamente. São os responsáveis pela criança e pelo adolescente que devem procurar ajuda especializada. Com o diagnóstico já feito, os profissionais, em conjunto, devem discutir as estratégias a serem utilizadas com cada criança.
Em relação à aprendizagem, é essencial que os professores tentem mapear qual a maior dificuldade do aluno com TDAH e o que mais atrapalha seu desempenho. A partir disso, podem traçar estratégias mais certeiras.
Um dos grandes segredos é a diversificação dos materiais pedagógicos, que aumenta consideravelmente o interesse nas aulas, não só de alunos com TDAH. Assim, é importante oferecer diferentes estímulos, como materiais audiovisuais, games, revistas, jornais e computadores.
A Associação Brasileira do Déficit de Atenção (ABDA) preparou uma cartilha com diversas estratégias pedagógicas que podem ser usadas pelos educadores. Confira algumas delas:
- Quando der alguma instrução, peça que o aluno a repita ou compartilhe com um amigo antes de começar as tarefas. Explique devagar e de maneira clara as técnicas de aprendizado que estão sendo utilizadas;
- Premie a realização da tarefa solicitada através de pequenos elogios, estrelinhas no caderno ou palavras de apoio;
- Não critique erros ou falhas no desempenho. Alunos com TDAH precisam de suporte e encorajamento.
- Defina metas claras e possíveis para que o aluno auto avalie seu desenvolvimento nas tarefas e projetos;
- Use mecanismos para compensar as dificuldades de memória, como tabelas com datas e prazos, post-its para lembretes e anotações e grifos nas partes mais importantes dos textos ou tarefas;
- Estruture e apoie a gestão do tempo nas tarefas que exigem desempenho em longo prazo. Por exemplo, ao propor a realização de um trabalho de pesquisa que deverá ser entregue no prazo de 30 dias, divida o trabalho em partes, estabelecendo quais serão as etapas e monitore se cada uma delas está sendo cumprida;
- Identifique os elementos de distração na sala de aula e tente manter o aluno o mais distante possível deles;
- Permita que o aluno se levante em alguns momentos, previamente combinados entre ele e o professor. Alunos com hiperatividade necessitam de alguma atividade motora de tempos em tempos.
O que diz a legislação
Há atualmente um projeto de lei em tramitação no Senado que dispõe sobre diagnóstico e tratamento da dislexia e do TDAH na educação básica. Enquanto ela ainda não é aprovada, os estudantes são beneficiados por um conjunto de leis, resoluções e diretrizes nacionais.A Constituição Federal proíbe a discriminação e a recusa de atendimento de qualquer aluno com necessidades específicas de aprendizagem. A Lei das Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) reafirma o direito dos portadores de TDAH e outras disfunções, obrigando as escolas, inclusive, a desenvolver projetos pedagógicos que contemplem a diversidade de alunos para promover a educação inclusiva. A ABDA traz uma cartilha completa com todos os direitos assegurados aos portadores de TDAH.