Itamar Moreira
O SURGIMENTO DO TRABALHO INFANTIL NO BRASIL
Desde seu descobrimento, o Brasil mantém crianças em situação de trabalho infantil, tendo seu início com a vinda da família real, que para manter regalias, trouxe também a mão-de-obra escrava por meio do tráfico negreiro. Difícil de acreditar, mas as crianças já serviram como buchas de canhão em combates e substituíam os soldados em frentes de batalhas.
Depois da Lei do Ventre Livre (lei que libertava os escravos no ventre de sua mãe), decretada pela princesa Isabel, os meninos e meninas nascidos não mais eram aceitos na Casa Grande (residência dos grandes senhores). A maioria vivia escondida e só restavam as ruas como refúgio, moradia e lugar de sobrevivência. No entanto, muitos realizavam pequenos trabalhos, pediam e já faziam da rua seu espaço de moradia e sobrevivência. Os erros cometidos no passado, hoje nos incomodam e dificultam todas as formas de atuação, pois vivemos no Brasil onde a desigualdade social esta presente nas piores formas.
A CIDADE DE SÃO PAULO
A cidade de São Paulo possui hoje 245 pontos de concentração incluindo feiras livres, praças, ruas e cruzamentos de grandes avenidas. Estes pontos são estrategicamente escolhidos por serem locais onde pessoas de elevado nível financeiro ou classe social média alta, residem, trafegam. Para complementar renda surgem várias atividades como: malabares, limpadores de pára-brisas, venda de diversos produtos como: doces, cartões, flores, balas, chicletes e etc
PERFIL DAS CRIANÇAS E ADOLESCENTES
Por meio de pesquisa de campo realizada em 2008, identificou-se o seguinte perfil:
46% com faixa etária entre 08 e 11 anos;
26% na faixa etária de 12 e 15 anos;
E 20 % com faixa etária de 16 e 17 anos.
Sendo 60% do sexo masculino e 40 do sexo feminino, destes 74% estudam e 24% não estão inseridos na rede de ensino.
43% destas crianças e adolescentes vendem produtos, 30% realizam mendicância e vão acompanhados com a mãe. Este dado nos mostra 8% com faixa etária entre 0 e 07 anos, ou seja, são explorados pela própria mãe.
76% afirmam ir acompanhados as ruas com a mãe, 35% com irmãos e 12% com amigos e vizinhos. Destes, 73% não são atendidos em programas sociais e 27% dizem estar inseridos.
Em referência ao domicílio, na análise das moradias, a média é de seis pessoas por domicílio, sendo 55% em moradia própria, sem relatar as condições habitacionais e 34% relatam residir em barracos.
QUEM SÃO OS RESPONSÁVEIS
De acordo com o artigo 4° do ECA, “É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, a alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária”.
Para garantir este artigo precisamos nos colocar como cidadãos, como vizinhos, como membro da família, como trabalhador, como líder comunitário, e como sociedade em geral. As crianças possuem todos esses direitos, e se fossem efetivamente garantidos elas não teriam tempo nem mesmo de ter uma má convivência familiar, visto que estas ofertas os tornariam articulados totalmente ao ponto de termos cidadãos cultos exercendo grandes patamares nas profissões existentes no Brasil. São poucas as oportunidades ofertadas pelo poder público, mas mesmo assim, as que existem não são utilizadas por falta de conhecimento de direitos, deveres e obrigações.
PROPOSTA DE AÇÃO
O poder público hoje tem grandes dificuldades de trabalhar ações inter-secretariais, ou seja, trabalhar conjuntamente no coletivo para minimizar as vulnerabilidades existentes que ultrapassam até o trabalho infantil e suas piores formas.
São 26 as Secretarias, a saber: Relações Governamentais, Assistência Social, Comunicação, Cultura, Educação, Esportes, Finanças, Modernização, Gestão e Desburocratização, Governo, Habitação, Infra-estrutura Urbana, Negócios Jurídicos, Participação e Parceria, Planejamento, Relações Internacionais, Saúde, Serviços, Subprefeituras, Trabalho, Transportes, Verde e Meio Ambiente, Desenvolvimento Urbano, Segurança Urbana, Pessoa com Deficiência e Controle Urbano.
As comunidades organizadas com redes de serviços públicos possuem uma dinâmica de trabalho efetiva. O que se precisa pensar é como realizar ações intersetoriais para trabalhar conjuntamente, de forma a melhor encaminhar e acompanhar todas estas crianças nos equipamentos de políticas públicas como a Rede de Proteção Social (Centros para crianças e adolescentes, Centros para Juventude, Ação Família Viver em comunidades, Centro de Convivência e outros), a Educação (possui as Centros de Ensino Infantil, Escola Municipal de Ensino Infantil, Escola Municipal de Ensino Fundamental, os CEUS com ofertas multidisciplinares), Participação e Parceria (mantém os Telecentros e Projetos financiados pelo FUMCAD), a Saúde (tem as Unidades Básicas de Saúde, o Programa Saúde da Família e as AMAS).
Contudo temos uma enorme rede em todas as comunidades por mais vulneráveis que sejam. O segredo é manter um foco de atuação, centrado na “FAMÍLIA”, onde se necessita de estrutura, planejamento e, enfim, de orientações para melhor lidar com as situações existentes. Percebo por meio de minhas experiências de atuação no Jardim Ângela que todo ser humano precisa ser escutado. No entanto, as famílias vêm reclamando muito que não existe a prática da escuta, e quando isto ocorre, não existem avanços consideráveis.
É necessária a construção de uma rede que envolva todas as áreas, ou seja, intersetorial, para que não só as famílias sejam escutadas, mas todos os atores envolvidos em uma perspectiva de obtenção de resultados sólidos e consistentes. Uma perspectiva que propicie infra-estrutura para que essas famílias possam enfrentar quaisquer tipos de situações e suportar o combate dos desafios vivenciados.
Para tanto precisamos encaminhá-las aos devidos espaços existentes e acompanhar todo o processo de permanência, transferência e mudanças. Isto porque que estamos modificando convívio familiar a partir da inclusão e transformando formas de pensar os processos de desenvolvimento de ensino e aprendizagem.
Itamar Moreira é pedagogo e atua desde 1994 em organizações da sociedade civil, em especial no Distrito do Jardim Ângela, considerado uma das regiões mais violentas de São Paulo.
Veja livro do autor sobre trabalho infantil em São Paulo