Crédito: Divulgação do evento
Carolina Pezzoni, do Promenino, com Cidade Escola Aprendiz
Até os dias de hoje, uma das caricaturas mais difundidas quando se pensa em tecnologia educacional é a de um computador no lugar do professor, transmitindo dados e informações aos alunos, que, por sua vez, se preocupam em assimilar ao máximo o que recebem, para depois responder a questões factuais e assim passar à próxima unidade. Sobre ela, o autor de “2001 – Uma Odisséia no Espaço”, Arthur C. Clarke (1917-2008), afirmou que “qualquer professor que possa ser substituído com sucesso por um computador merece sê-lo”.
Ao trazer esta imagem, o estudo “Tecnologias para a transformação da educação: experiências de sucesso e expectativas”, elaborado pela Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (Unesco), em parceria com a Fundação Santillana e o Grupo de Comunicação El País, defende justamente o contrário: os resultados bem-sucedidos do uso da tecnologia na escola sempre vêm acompanhados de reformas em aspectos pedagógicos, como currículo, avaliação e desenvolvimento profissional dos professores.
Apresentado pelo pesquisador Francesc Pedró, diretor da divisão de Políticas Setoriais, Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs) e Educação da Unesco, durante Seminário Internacional realizado no dia 25 de novembro, em São Paulo, o documento trata de analisar as possíveis contribuições da tecnologia para a transformação da educação, com ênfase na América Latina, os fatores que explicam o sucesso e também os requisitos para a sua expansão.
Centrado no período do ensino obrigatório, mostra, por meio de exemplos e experiências em todo o mundo, validados empiricamente, de que maneira a tecnologia permite desenvolver novas formas de ensino-aprendizagem.
Em busca de oportunidades educativas
“O documento fala de educação, de pedagogia, e não de dispositivos”, esclarece Pedró, destacando ainda que por trás de todo o estudo está a preocupação de pensar como uma utilização estratégica da tecnologia pode melhorar as oportunidades educativas de crianças e jovens nessa região.
Como declarou o porta-voz, apesar de viver uma impressionante melhora nos indicadores de acesso à educação primária e secundária, a América Latina apresenta resultados acadêmicos insatisfatórios e altos índices de evasão escolar. Segundo dados de 2013 da Unesco, divulgados na pesquisa, 1 em cada 10 jovens latinoamericanos de 15 a 19 anos – e em alguns países 1 em cada 3 – não terminou o ensino primário.
Na avaliação de Francesc Pedró, esses países estão assistindo a uma transição de ênfase em matéria de políticas educacionais. “Nos últimos 15 anos, nossos esforços estiveram concentrados em facilitar o acesso à educação. Isso não significa que essa agenda esteja encerrada, mas a medida que os países vão conseguindo uma progressiva universalização, primeiro no ensino primário e cada vez mais no ensino secundário, a preocupação deixa de estar no acesso para estar na qualidade do ensino e, mais do que isso, valendo-se dela para atacar os problemas relacionados à desigualdade”, afirma.
Entre as várias respostas sobre como se pode alcançar essa qualidade, o estudo define três elementos importantes: o conceito de ensino como mera transmissão de conteúdos deve dar lugar a novas metodologias que possibilitem o desenvolvimento das competências para operar sobre os conteúdos; o pilar fundamental da qualidade educativa são as competências profissionais dos docentes, ou seja, aqueles capazes de gerar melhores oportunidades de aprendizagem e; com condições apropriadas e um professorado competente, o uso da tecnologia na educação permite criar entornos de ensino-aprendizagem que facilitam o desenvolvimento das competências que a sociedade e a economia esperam hoje dos estudantes na América Latina.
No entanto, como acredita Pedró, não será possível avançar neste caminho a não ser que se garanta aos profissionais docentes a capacitação necessária para fazer essas transformações nos processos de ensino-aprendizagem. “Neste sentido, o documento defende que a tecnologia permite construir, em torno da aprendizagem, essa mudança de um docente que apenas ensina para um docente que transforma a realidade, desenha processos de desenvolvimento de competências”, diz, ressaltando que isso deve ocorrer em um contexto onde os alunos já estão utilizando a tecnologia. “No caso do Brasil, em 2010, tínhamos mais de 30% de crianças entre 5 e 14 anos de idade utilizando a internet regularmente. E, muito provavelmente, teremos visto este número dobrar na pesquisa que será publicada em dezembro.”
Em contraponto à imagem caricata de sala de aula descrita no início, as experiências levantadas no estudo comprovam que o uso dos dispositivos digitais como substitutos dos professores não produz resultados significativos na aprendizagem dos estudantes, apenas os usos mais interativos e proativos, com o apoio direto de um professor orquestrador de recursos.
Portanto, argumenta Pedró, “para que fazer o mesmo se podemos usá-la para algo diferente? Vale o quanto custa para não mudar nada?” A diferença está no tratamento que os professores dão às necessidades de aprendizagem dos alunos. “Prestem atenção à mensagem: não é uma questão de dispositivos, mas de concepção pedagógica. Se queremos esta transformação, a tecnologia está aí para nos ajudar”, conclui o pesquisador.
Por uma cultura de inovação nas escolas
“A rede é o lugar onde o conteúdo está. A escola do futuro é aquela que sabe usar a rede e forma pessoas capazes. O centro da escola, porém, é o relacionamento, a capacidade de convivência, respeito e troca intelectual”. O registro, extraído de um dos episódios da série Educação.doc, produzida pelo Instituto Buriti, inaugurou a fala de Mílada Gonçalves, gerente de Educação e Aprendizagem da Fundação Telefônica Vivo, sobre as competências necessárias em um panorama educacional de alta volatilidade, autonomia e colaboração.
Ao longo do painel “Tecnologia, educação e inovação”, cuja proposta era compartilhar iniciativas inspiradoras, ela trouxe o exemplo do projeto Escolas que Inovam, fruto de uma parceria entre a Fundação e o Instituto Natura, que foi criado em 2012 e está sendo realizado em duas escolas municipais de São Paulo: EMEF Campos Salles (em Heliópolis) e EMEF Desembargador Amorim Lima (no Butantã). O foco deste trabalho, como compartilhou Mílada, é usar a tecnologia para reforçar as práticas colaborativas e inovadoras que essas escolas já têm, contando em cada etapa com a participação de um grupo de parceiros, como o Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec) e a Fundação Vanzolini.
Após um diagnóstico, o primeiro passo do planejamento foi estabelecer em conjunto com as instituições quais seriam as competências abordadas no projeto, chegando-se a três principais: colaboração, pensamento criativo e uso de tecnologia. Diante disso, foram definidas as metas a serem cumpridas até o fim de 2015, entre as quais fortalecer práticas colaborativas na elaboração dos roteiros pedagógicos, formar professores na cultura digital, incrementar a infraestrutura tecnológica, acompanhar os avanços por meio de avaliações contínuas, documentar o projeto e sistematizar as metodologias para serem replicadas mais tarde.
Professor, agente de mudanças
“É chocante ainda termos nas escolas um departamento responsável por pesquisar as novas tecnologias educacionais e encaminhá-las até o professor, que muitas vezes nem tem interesse nelas”, afirma o painelista Luís Roberto Coimbra, diretor de tecnologia e inovação do Sistema de Ensino Poliedro, que vê urgência na mudança dessa cultura. Para ele, tendo acesso direto a esses recursos, é o próprio professor que pode chegar à solução tecnológica capaz de mudar a realidade na sala de aula. “É uma questão de buscar o engajamento”, acredita.
Na visão de Alexandre Campos Silva, gerente de parcerias do Google Educação, isso implica no professor se reconhecer como agente de mudança. “Enquanto o Google pensa na experiência do usuário, o professor deve se perguntar sobre a experiência do aluno: Qual é essa experiência? Como a estou revolucionando?”
Indo além na comparação, ele destaca ainda que as inovações da empresa de tecnologia só atingem a milhões de pessoas porque resolvem um problema comum a todas elas, tendo por princípio uma tecnologia fácil de ser usada. Neste sentido, a cultura de inovação se aproxima das escolas na medida em que o professor se sente instigado a solucionar questões que os alunos nem sabiam que tinham.
Rede global
Entre as iniciativas do Google Educação citadas por Silva, destacam-se o Google Classroom, uma plataforma criada para ajudar o professor a gerenciar uma enorme quantidade de e-mails, arquivos e conteúdo, distribuir tarefas e organizá-las no drive de alunos e professores, e o Hangouts, que permite de uma forma simples trazer um palestrante de qualquer lugar do mundo para conversar com os alunos e incrementar o currículo. Em sua opinião, isso mostra que, para aproximar a tecnologia do dia a dia, não precisamos de tanta tecnologia para inovar em sala de aula e para o aluno aprender melhor, “muitas vezes nos basta um simples projetor”.
“Passamos de um mundo onde se estudava sozinho para uma rede global, de um mundo onde se trabalhava sozinho para um trabalho feito em equipe e de forma colaborativa, de um mundo onde se consumia conteúdo e hoje se cria, de um mundo onde se estudava das sete ao meio-dia e hoje se estuda – que bom – a qualquer hora”, reflete o gerente de parcerias do Google Educação.
Por isso, a seu ver, quando se fala em inovação, o mais importante é não ter medo de errar. “Provavelmente, uma primeira dinâmica que inclua a tecnologia não será a melhor que aquele professor poderá fazer, mas é o primeiro passo e talvez o mais importante para se chegar a um modelo de engajamento.”