Professores da rede pública do Brasil falam sobre como o uso do WhatsApp em sala de aula complementam suas práticas pedagógicas
Já está claro que a pandemia de Covid-19 trouxe inúmeras mudanças para a educação brasileira. Para além dos debates e desafios impostos pelo ensino remoto ou híbrido, foi após a retomada das aulas presenciais que uma ferramenta tecnológica já muito utilizada pela população brasileira se consolidou de vez nas escolas e dentro das salas de aula e mostra-se importante no desenvolvimento de competências digitais de professores e alunos: o WhatsApp. E ela trouxe novidades tanto à prática pedagógica como ao aprendizado.
O aplicativo de conversação instantânea possui mais de 120 milhões de contas no Brasil, deixando o país atrás apenas da Índia no ranking global de usuários. Segundo dados do Statisa, 96% dos brasileiros utilizam o WhatsApp como seu meio predileto para enviar mensagens. Ainda, 98% acessam o aplicativo diariamente.
Este uso massivo se reflete na educação, principalmente com o fechamento das escolas durante a pandemia. De acordo com a pesquisa Undime Educação na Pandemia, de 2021, 97,5% das redes municipais de ensino orientaram seus alunos através do WhatsApp durante o ensino não presencial.
Já o estudo Retratos da Educação no contexto da pandemia do coronavírus, de 2020, revelou que o WhatsApp é relevante ferramenta de desenvolvimento de competências digitais pois tornou-se o principal canal de comunicação entre professores, estudantes e famílias. Essa realidade foi ainda mais presente nas redes estaduais (88%) e municipais (86%) do que na rede privada (56%).
WhatsApp em sala de aula
No entanto, a retomada das atividades presenciais não foi suficiente para reduzir a presença do WhatsApp nas escolas, o que mostra seu poder indutor de competências digitais. O aplicativo e seus diversos recursos multimídia – como áudios, vídeos, imagens, emojis, gifs e até mesmo figurinhas – passou a representar mais do que uma forma de contato direto com o estudante e sua família. Afinal, ele é também uma potente forma de interagir e engajar os alunos durante a aula.
Devido à sua imensa popularidade, o aprendizado de suas funcionalidades é muito mais rápido do que outras plataformas digitais. Em um cenário no qual a conectividade e o acesso a tecnologias complexas são uma realidade distante para parte considerável dos estudantes brasileiros, o WhatsApp se tornou uma ferramenta que democratiza o uso de tecnologias na sala de aula.
Uso pedagógico de WhatsApp
A professora de língua portuguesa Katriana Jacaúna Ferreira, que leciona no ensino médio da Escola Estadual Senador João Bosco, em Parintins (AM), afirmou que durante a pandemia foram criados grupos de WhatsApp para distribuir conteúdos para seus mais de 600 alunos. “Já em 2022, com o retorno presencial, resolvi trabalhar no WhatsApp de maneira pedagógica”, conta. Logo no primeiro dia ela avisou os alunos que iria usar o “Zap” em sala de aula. “É uma ferramenta muito boa para se trabalhar em conjunto, e não apenas para a comunicação direta – marcando provas e dando avisos -, mas principalmente para interagir com eles em termos de conteúdo.”
Para dinamizar o uso da ferramenta, ela prepara o material e envia aos estudantes pelo grupo da classe no WhatsApp, em formatos diversos como Word, PowerPoint, PDF ou até mesmo no corpo da mensagem. Ainda, envia links para vídeos curtos e imagens que ajudem a complementar o exercício. “Temos conteúdos que, por mais colorido e criativo que sejam, não possuem o mesmo efeito que colocar no celular, pois ali o aluno pode ampliar, olhar com detalhes, interagir”, explica.
“De vilão a mocinho”
Durante a aula, a professora pede que os alunos abram o celular e entrem no grupo, frisando que é necessário deixar muito claro quais serão os objetivos daquele uso. “Com o celular na mão eu também dou aula. Hoje, ultrapassei a barreira de ver o celular como vilão, veio a pandemia e ele se transformou no mocinho”, suaviza Katriana.
Ela também usa a plataforma para garantir que todos os alunos tenham acesso aos textos na sala de aula, já que regularmente é preciso lidar com a falta de papel e tinta para imprimir. Nesse caso, os alunos que não possuem o aparelho celular ficam com as cópias.
Para Katriana, o uso desmistifica uma ideia muito comum entre os estudantes: a de que o professor está parado no tempo. “Eles ficam admirados que estamos antenados com esse avanço tecnológico, e o uso reflete a nossa maturidade como professor. Não tenho mais como voltar atrás”, decreta.
Bom Dia e Bons Estudos
Também durante a pandemia, o professor da rede estadual do Ceará, Octavianus Cesar Silva, era o responsável por abrir e fechar o grupo de WhatsApp das suas turmas diariamente. Até o momento em que, por estar dirigindo, enviou um áudio que foi muito bem recebido pelos alunos.
Desde então, permanece com essa prática, e seus áudios já foram repostados em grupos de professores, coordenações, secretarias de educação e até mesmo em outros países. O sucesso foi tanto que a prática se transformou no podcast Bom Dia e Bons Estudos.
Octavianus é o responsável pela disciplina eletiva “História do Tempo Presente”, dada para os primeiros anos das escolas EEFM Paulo Ayrton Araújo e EEFM Almirante Tamandaré. Estimulado pelo Novo Ensino Médio a trabalhar com conteúdos diferentes do tradicional, o professor utiliza a produção de conteúdos via WhatsApp que podem se tornar um podcast. “Toda semana, os alunos opinam sobre temas que estamos trabalhando, como homofobia, feminismo e corrupção.”
Nessa dinâmica, cada estudante grava um áudio pelo WhatsApp e envia para o professor, que faz a edição e transforma em um único arquivo para ser divulgado como um podcast nos grupos do aplicativo.
“Quem mais me dá retorno são os professores. É para servir de incentivo aos alunos, que acham legal, pedem que mandem abraço, perguntam quando sai o próximo, e os professores também comentam e repassam para as suas turmas”, diz Octavianus. Segundo ele, os alunos utilizam os áudios para se inteirar do que está acontecendo, e “quanto mais inteirados sobre as situações da escola o aluno estiver, melhor”.