O estudo Human Coders: reprogramando futuros, da 42 São Paulo, apresenta reflexões para a educação do futuro e aponta a necessidade de unir conhecimento sobre tecnologia e habilidades socioemocionais na formação de cidadãos para o amanhã.
A sociedade em que vivemos é totalmente atravessada por tecnologias digitais, sobretudo para quem vive nas grandes cidades. Uma parte significativa das relações humanas acontece mediada por algum tipo de interface tecnológica: um aplicativo de banco ou de namoro; um site de pagamento de tarifas públicas; uma plataforma de streaming para entretenimento… No entanto, o motor que coloca tudo isso em funcionamento são os códigos. Ou seja, parte significativa da construção do nosso conhecimento, do nosso consumo e dos nossos relacionamentos são organizados pelos códigos. É por isso que muitos estudiosos da sociedade informacional defendem que saberes como o letramento em dados e a alfabetização algorítmica são fundamentais para a promoção e garantia da cidadania no mundo atual.
Nesse cenário, um dos principais lançamentos de 2022 foi o Human Coders: reprogramando futuros, da 42 São Paulo. Dividido em três cadernos (chamados trendbooks), o estudo reúne relatórios, pesquisas e análises de especialistas sobre o impacto da programação em três áreas: educação, empregabilidade e mercado de trabalho. O material também aborda o papel da educação na formação de cidadãos digitais.
Na construção do caderno sobre educação (volume 1), participaram especialistas como Paulo Blikstein, Camila Achutti, Claudio Sassaki e Amy Webb. Também foram apresentados estudos de nomes como Fei-Fei Li e Ramesh Srinivasan.
Alfabetização algorítmica e o impacto dos códigos na vida cotidiana
O primeiro caderno deste projeto da 42 São Paulo começa afirmando que “o planeta Terra está sob nova gestão, e viver em um mundo dominado por códigos já é um caminho sem volta. Hoje, quem fala essa linguagem de códigos já dita os caminhos do amanhã. Por isso, mais do que um saber técnico sobre a programação, o mundo precisa de pessoas que dominem os códigos e compreendam os impactos deles nos humanos.” Para dar conta disso, o estudo defende unir saberes tecnológicos com habilidades socioemocionais, como cooperação, pensamento crítico, desenvolvimento relacional e autonomia no aprendizado (aprender a aprender).
O resultado desse processo é a formação de human coders, ou seja, pessoas que entendem que o desenvolvimento de códigos deve partir do impacto que eles podem produzir na sociedade. Para explicar melhor essa concepção, o trabalho utiliza uma reflexão do professor Ramesh Srinivasan (Laboratório de Culturas Digitais, Universidade da Califórnia, Los Angeles): “Nossa educação deve nos preparar para entrar no mercado de trabalho, mas deveria nos preparar para sermos humanos criativos, reflexivos e deliberativos com necessidades sociais, éticas e criativas. Escolas e universidades precisarão expandir e revisar os currículos se quiserem educar para um futuro digital que seja inclusivo, sustentável e colaborativo. Um legado infeliz hoje é que a maioria dos sistemas educacionais trata os campos da ciência e da engenharia como meramente técnicos e, portanto, neutros, em vez de construídos socialmente. É por isso que raramente vemos cursos nos quais o design de software é ensinado com materiais que ‘entendem’ os lugares onde o software irá ‘funcionar’”.
Muito além da alfabetização digital
Ramesh defende que, além da alfabetização digital – que se refere à habilidade de um indivíduo compreender e utilizar recursos tecnológicos como dispositivos digitais, softwares e internet – também existem pelo menos três outras alfabetizações necessárias, a algorítmica, a políticas e econômicas, e o letramento de dados. Entenda cada uma:
Alfabetização algorítmica: a compreensão do que é um algoritmo, como ele é construído e qual o impacto que produz na vida cotidiana das pessoas.
Letramento de dados: como, quando e onde os dados são recolhidos, como e por quem são organizados, quais os efeitos desse processo e quais outras possibilidades de fazê-lo.
Alfabetização política e econômica: quais tecnologias pertencem a quem, quais setores são moldados pela tecnologia e de que maneira, como as tecnologias podem redesenhar a vida pública e política e as relações entre os interesses políticos corporativos públicos e privados.
Durante sua participação no festival enlightED, a diretora-presidenta do Centro de Inovação para Educação Brasileira (CIEB), Lucia Dellagnelo, refletiu sobre a relação entre inclusão digital, bem-estar e educação. “Há estudos que listam o bem-estar como o produto final de um processo educacional bem sucedido. Isso envolve o desenvolvimento de habilidades cognitivas básicas, como saúde mental, física e letramento digital. Sendo assim, a formação do futuro deve preparar as pessoas para lidar com o mundo hiperconectado, mas também para criar soluções de forma ética e consciente”, afirmou. Veja a palestra de Lucia Dellagnelo na íntegra.
Reflexões para a educação do futuro
O primeiro livro do estudo Human Coders: reprogramando futuros conclui seu texto com a defesa de diversos pontos na relação entre tecnologia digital e educação. Entre eles, vale destacar:
1 – A educação terá que se adaptar de forma profunda, para além do ferramental da tecnologia, e deverá explorar os contextos éticos do uso delas. Esse é um desafio mundial que demanda o envolvimento de toda a sociedade.
2 – Codar (desenvolver códigos) tem muito mais a ver com criatividade e resolução de problemas – e é para todas as pessoas (não apenas para quem é bom de matemática).
3 – Entender a lógica dos algoritmos e falar de ética e tecnologia diminuem a nossa vulnerabilidade em relação ao futuro.
4 – Letramento tecnológico ajuda a solucionar problemas complexos e é uma habilidade a ser levada para a vida.
5 – A exclusão digital é o novo analfabetismo.